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Comentários sobre o Catolicismo Popular

Hipóteses se interpretação do catolicismo popular com base na sociologia e na psicologia,...

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“Cada casa quer ter sua capela própria, onde os moradores se ajoelham ante o padroeiro e protetor. Cristo. Nossa Senhora e os santos já não aparecem como entes privilegiados e eximidos de qualquer sentimento humano. Todos, fidalgos e plebeus, querem estar em intimidade com as sagradas criaturas e o próprio Deus é um amigo familiar, doméstico e próximo – o oposto do Deus “palaciano”, a quem o cavaleiro, de joelhos, vai prestar sua homenagem, como o seu feudal”. (HOLANDA, Raízes do Brasil, p. 110)

INTRODUÇÃO

O presente texto tem como finalidade apresentar algumas hipóteses de interpretação do catolicismo popular com base na sociologia e na psicologia, sendo que a abordagem psicológica será desenvolvida no final do texto, mencionando algumas motivações como sendo os pilares que sustentam as práticas daqueles que buscam na religião, em especial, alguns efeitos psicológicos bem definidos, como, a paz, a tranqüilidade, a segurança, etc.

O tema é fascinante. Abordar sobre o catolicismo popular não é uma tarefa fácil. Com efeito, é preciso reconhecer, preliminarmente, a dificuldade do entendimento acerca da expressão “catolicismo popular”. A expressão sempre esteve distante de ser definida de maneira unívoca. O termo catolicismo levanta uma “poeira” antiga no âmbito dos cientistas sociais e entre teólogos e teólogas, sendo que a expressão utilizada como fenômeno religioso direciona-nos para uma pura abstração.

Tratar de catolicismo popular é como percorrer pelos labirintos da alma humana, mergulhando na sua intimidade e penetrando nos seus mistérios, perseguindo horizontes, desvendando o sentido mais rico da vida e da morte, do presente e do passado, do real e do imaginário. É nesse universo de riquezas que repousa o catolicismo popular. Esse ao mesmo tempo encarregou-se de fazer uma mistura racial, quando se realizou no Brasil com a fusão de três culturas distintas. O índio, integrado havia séculos na selva tropical, conhecia o segredo das praias e das matas, os perigos, os alimentos, as plantas medicinais. Os africanos traziam um lastro cultural muito rico e variado, cheio de calor humano, que se expressava principalmente em suas danças e músicas ritmadas, que nem a dureza da escravidão fazia esquecer, e na afetividade e dedicação que as mães-pretas esbanjavam na educação dos pequenos senhores; e o tempero de sua arte culinária se deu muito bem com os brasileiros.

A fusão de culturas se fazia apesar da idéia de superioridade dos brancos; era espontânea, abrangendo hábitos de moradia, de alimentação, de agricultura, de higiene, de crenças religiosas, de vida cotidiana. A idéia de superioridade influenciava, sim, nos índios e negros, que deixavam de ver na perda de sua identidade um fator de opressão, e a consideravam como único meio de subir na escala social. Os negros funcionavam como agentes de ligação entre os índios e a Igreja, que os enxertava na cultura dos brancos.

A palavra popular é um termo perigoso para as ciências. A noção de popular em meados do século XIX (e ainda em muitos meios deste século), era a de tudo que representasse o supersticioso, o vulgar, o grosseiro, identificando-o como uma produção cultural de qualidade baixa, depreciativa, subalterna. É no terreno minado pela tiririca da diferenciação da estrutura social que se poderá obter conteúdos mais concretos para um conhecimento do que seja o popular. Não é uma tarefa fácil desempenhar uma definição de um objeto eminentemente social, nem com o catolicismo popular nem em outras religiões ou mesmo em áreas sociais e culturais.

A definição não é apenas de cunho cultural, é também social. O popular importa num esquema de diferenciação sócio-econômica que se manifesta através da relação do seu componente humano com um determinado padrão no nível do consumo e no seu papel nas relações de produção. Nessa direção, dentro de uma série de graus e de diferenciações regionais, podem explicar a variedade de relações culturais e especificamente religiosas como produtos e subprodutos de uma sociedade na qual predomina a estratificação social, como classes, grupos, instituições, mas onde também uma grande mobilidade social estabelece influências recíprocas e um dinamismo que somente pode ser compreendido como expressão de uma sociedade com muitas culturas, ou seja, policultural.

Este fenômeno, tipicamente, dilatado com o avanço das migrações internas, explica a multiplicidade de maneiras de sincretismo religioso, a possibilidade de um mesmo indivíduo participar de várias culturas e também de diferentes denominações religiosas ao mesmo tempo. Thales de Azevedo através da sua tipologia do catolicismo brasileiro, não utiliza a expressão “popular” como restrito às camadas inferiores da população e declara que o catolicismo popular “se expande dos estratos inferiores aos estratos superiores como religião de uma sociedade ou de camadas estruturalmente arcaicas e descontínuas”.

Sabe-se que o catolicismo popular no Brasil tem suas raízes mais profundas lá na Idade Média, aqui tendo chegado com os colonizadores portugueses. O estudo do catolicismo popular vem crescendo e possibilitando novos caminhos que tornam mais fáceis a compreensão e a explicação da cultura sertaneja do Nordeste brasileiro. Por outro lado, os estudos mostram que cerca de 80 % mais ou menos dos católicos da América do Sul praticam o catolicismo popular. Portanto, podemos definir o catolicismo popular como uma variação de crenças e práticas que ao longo da tradição do cristianismo, foram socialmente incorporados como “católicas”.

No entendimento de Michel Certeau1 (1975, p. 53), “O catolicismo popular envia sua mensagem em código próprio que não é aquele do catolicismo oficial. Este pensa uma coisa e diz univocamente. Aquele diz uma coisa e pensa outra, pois sua linguagem é metafórica e sacramental”. Debruçando com a vasta literatura sociológica sobre a expressão “popular”, ela pode significar uma tríade de categorias que inauguram uma oposição: “erudito”, “oficial” e de “elite”, conforme constatação de RIBEIRO DE OLIVEIRA (1988, p. 139). O catolicismo popular é uma das modalidades do catolicismo e tem a sua funcionalidade a partir da figura nuclear que são as devoções aos santos. Dito de outra maneira, esse catolicismo pode ser definido usando a expressão popular: “muita reza, pouca missa; muito santo, pouco padre”.

Há uma fragmentação deste tipo de catolicismo popular quando recebe uma ação repressiva e utilizante face ao catolicismo oficial. Essa repressão por parte da cultura oficial ocorre, sobretudo em não pretender compreender os diversos elementos significativos que compõem esse catolicismo, estabelecendo uma dicotomia cultural que se exprime na existência de uma cultura oficial dominante e outra meramente popular e muitas vezes considerada como algo periférico e supersticioso. Para tanto, ambas as culturas relacionam-se numa contínua tensão, sendo que a cultura oficial acaba provocando continuamente dois posicionamentos à cultura não-oficial: a repressão e a utilização.

O catolicismo popular é uma devoção aos santos, às romarias, as novenas, as procissões, as bênçãos, a festa de padroeiro, as promessas. As devoções aos santos na cultura popular se apresentam como resposta para dar sentido a sua vida. Surge daí a importância do santo na vida dos devotos do catolicismo popular, pois o contato com o santo ocorre de forma direta, sem nenhuma intervenção por parte da institucionalidade. A romaria de Juazeiro do Norte é, sem dúvida, um momento forte de devoção do catolicismo popular, pois, ali as suas promessas são pagas, as penitências são feitas, os terços são rezados. Tudo isso acontece sem nenhuma interferência de fora.

O catolicismo popular se consolida numa vivência doméstica com os seus oratórios (familiares), as pequenas capelas (nível local) e os santuários (nível regional). Esse catolicismo popular exerce uma função bastante vital para o povo que vive na labuta diária pela sobrevivência. São manifestações religiosas inseridas dentro de um mundo de saber, de práticas e na maioria das vezes como reação, cultuadas e vividas nas classes populares. O culto aos mortos também estão presente no catolicismo popular. Embora, sabemos que o culto aos mortos é um fenômeno universal.

É impressionante como os devotos do catolicismo popular cultuam os seus mortos. O conhecido ritual do velório, do enterro, as cruzes à beira das estradas, tudo isto está muito arraigado na cultura popular. No velório reza-se o terço, cantam-se os cânticos da Igreja Oficial, os benditos populares ou mesmo ler um trecho retirado da Bíblia. A roupa com que se veste o corpo do defunto chama-se mortalha. Em todo e qualquer velório do sertão nordestino, por exemplo, servem-se biscoitos, chá, café, dependendo do ambiente, um licor, uma pinguinha.

Numa daquelas cidades do interior de Sergipe, comentam-se os mais velhos um caso pitoresco. Havia, pois, um pinguço que não perdia um velório, fosse de quem fosse. Só para beber uma pinga. Determinada pessoa morreu e os familiares já sabendo do episódio, resolveram não deixar o pinguço adentrar ao velório. Este chegou todo lorde. Por sua surpresa foi impedido de entrar. Saiu fumaçando de raiva. Depois virou para trás e gritou: “- Fiquem aí com o seu defunto, ali tem muito melhor”. O enterro, ou o cortejo fúnebre é sempre muito disputado e concorrido. Vai depender do grau de amizade das pessoas com o falecido. Uma outra coisa é na hora de carregar o caixão. Todo mundo quer carregar um pouco para demonstrar solidariedade para com os familiares.

As práticas do catolicismo popular das curas através da benzeção é um fenômeno corriqueiro nas comunidades do Nordeste. Pode rezar para curar uma bicheira de animal, na maioria das vezes nem precisa ver o animal doente, curando simplesmente pelo rastro. Geralmente o benzedor ou a benzedeira diz não vir dele ou dela o poder de curar, mas vem de Deus, ou até um santo que é invocado na hora da benzeção.

A prática da benzeção está ligada ao catolicismo popular e também pela medicina caseira. Ou mesmo ligada às simpatias, que se dão no nível material. Talvez que o número de mulher benzedeira seja maior do que o de homem. Essa prática pode ser explicada devido ser a mulher mais atenta aos ritos. O segredo das palavras sagradas. É evidente que no ato de benzer, além do poder sagrado das palavras, necessariamente estão presentes elementos da Natureza: a água, o fogo, o ar, a terra e a vegetação. Estes elementos, segundo a tradição têm a propriedade de domínio do mal.

Eduardo Hoornaert (1976, p. 195), sobre “o catolicismo popular representado pelo cangaceiro Lampião”. Nos desperta para esse aspecto pouco estudado sobre a influência do movimento do cangaço no catolicismo popular através da figura religiosa e problemática que teve uma vida interrompida aos 41 anos de idade devido a uma promessa que fizera por ocasião do assassinato de seu pai, o Virgulino Ferreira da Silva (1897-1938)2, o Lampião. Quando ainda jovem, o Virgulino foi batizado, fez a primeira comunhão e foi crismado pelo bispo de Floresta, em Pernambuco.

Ele toma uma atitude extrema e faz uma “opção preferencial” pelo movimento do cangaço. Sabe-se que Lampião assumiu a vida de cangaceiro dentro de uma estrutura do catolicismo popular sertanejo devido a sua promessa de vingar a morte de seu pai. O cangaceiro ofereceu a sua espingarda a Nossa Senhora da Conceição e se denominou como sendo o cavaleiro do cangaço, protetor dos mais pobres e pai de seus conterrâneos sertanejos.

Nesse contexto, o que faz a promessa é o espírito do seu cumprimento. Segundo Pedro Ribeiro de Oliveira (1985, p. 117-122), a promessa pertence ao modo contratual de relações entre o fiel e seu santo. O modo contratual é aquele pelo qual o fiel pede uma graça ao santo, obrigando-se a um ato de culto pelo qual o santo seja recompensado pela graça alcançada. Nasce daí que Lampião carregou por toda a sua vida a fidelidade ao cumprimento da promessa feita à santa.

Virgulino, o Lampião andava sempre ao pescoço um rosário de Juazeiro do Norte. Rezava aos sábados o Ofício de Nossa Senhora da Conceição. Fazia jejum. Rezava pelas almas nas segundas-feiras. Era um devoto confesso de padre Cícero Romão Batista. É óbvio que a estrutura do catolicismo popular através de uma promessa dada é capaz o suficiente para mover a dignidade de uma vida humana tragicamente marcada pela violência, pela pobreza e pela injustiça social.

A demonstração deste catolicismo popular do Nordeste do Brasil deve ser pesquisada como uma cultura religiosa “distinta” da cultura oficial católica. O catolicismo popular vivido e professado pelo padre Ibiapina, padre Cícero, o beato Antônio Conselheiro e frei Damião é completamente “outro”, completamente “diferente”, mas não devemos instruir que seja uma manifestação depreciativa e marginal, inferior ou mesmo supersticiosa.

Há, sem dúvida, algumas motivações psicológicas para o culto ao catolicismo popular. Essas motivações sustentam as práticas daqueles que buscam na religião principalmente alguns efeitos psicológicos bem determinados: paz, tranqüilidade do espírito, segurança, pertença ao grupo, remédio para as frustrações individuais. Ninguém duvida que a religião é capaz de produzir tais efeitos: de fato os produz. Todo homem religioso sentiu alguma vez a importância benéfica desta função latente ou manifesta (efeito não buscado ou buscado) da religião.

Contudo, uma coisa é que a religião seja capaz de produzir tais efeitos e outra muito distinta é reduzí-la a uma pílula ou analgésico precioso para equilibrar tensões e solucionar frustrações. Essas motivações se encontram especialmente e preferencialmente entre pessoas de certa cultura. As motivações psicológicas aparecem entre as massas urbanas mais propensas a frustrações de todo tipo. Ela pode adequar-se com uma carência moral de coerência moral, a um sentido ritualista individualista do culto, à ausência de um sentido de Igreja, à presença de relações contratuais nos cultos. Considera Deus de maneira impessoal como uma força superior, e as forças intermediárias que se trata de colocar ao serviço do homem.

Para concluir, o catolicismo oficial utiliza-se do catolicismo popular. Percorrendo a história cristã foi o catolicismo popular que deu vida e movimento ao catolicismo oficial ou clerical, pois, o calendário com os seus santos, a vida das paróquias, as romarias, o “ano santo”. O catolicismo oficial não tem vida em si. A sua vida lhe provém do catolicismo popular que ela reprime como periférica. Para que esta utilização seja eficiente o catolicismo oficial não pode permitir que o catolicismo popular perca a sua dependência. Perceber a questão do catolicismo popular significa, pois abandonar o “lugar” central que é o lugar de quem oprime o povo e passar a encarar o catolicismo do povo como uma fronteira a ser respeitada, uma alteridade desconhecida e original, uma novidade a ser estudada, ouvida.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ÁVILA, Antônio. Para conhecer a psicologia da religião. São Paulo: Loyola, 2007.

HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 19. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1987.

RIBEIRO DE OLIVEIRA, Pedro Assis. Religião e Dominação de . Classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985

WALDO, César. “O que é 'Popular' no Catolicismo Popular”. In. REB 36, fasc. 141, pp. 5-7, março, 1976.

1Cf.: “Cultura popular e religiosidade popular”. In CEAS, 40, nov/dez/1975.

2Virgulino Ferreira da Silva, nasceu no município de Serra Talhada, Pernambuco, aos 7 do mês de julho de 1897. Faleceu no dia 28 de julho de 1938, na Fazenda de Angicos, no município de Poço Redondo, Sergipe, que fica na margem direita do rio São Francisco e está situada a 1 Km do Velho Chico. O cangaço foi um fenômeno social bastante importante para a história das populações exploradas dos sertões do Nordeste brasileiro.


Publicado por: João Everton da Cruz

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