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Psicossomática: os desafios de um novo olhar

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O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Atualmente, o termo “psicossomática” vem sendo utilizado de forma constante, não só por profissionais da saúde, mas pela população em geral. É freqüente encontrarmos no consultório pessoas referirem-se a essa temática, dizendo: “Sei que o que eu tenho é psicossomático”, “Essa semana foi muito estressante, até somatizei fazendo uma enxaqueca”.

Outra situação que faz parte da realidade psicoterapêutica é quando a pessoa chega na primeira sessão relatando um histórico de consultas médicas por queixas diversas, uma verdadeira peregrinação, com o seguinte diagnóstico: “os médicos disseram que eu não tenho nada, o meu problema é emocional, por isso estou aqui.” Geralmente, o quadro apresentado por essas pessoas refere-se a crises agudas de ansiedade, depressão, dores no corpo (principalmente no peito), enxaqueca, fadiga excessiva, falta de concentração e memória, acarretando prejuízos no campo profissional, afetivo e social.

Podemos perceber claramente, a partir desse discurso, uma divisão do ser humano em duas instâncias – física/emocional – que se comunicam entre si em uma relação determinada de causa e efeito. Com a ausência de registros orgânicos que expliquem a queixa referida pelo paciente, o emocional figura como fator determinante no processo de adoecimento.

Essa é a visão difundida por teorias psicológicas e psicossomáticas embasadas nos fundamentos e no modelo das Ciências Naturais, transformando o corpo em objeto equivalente a qualquer outro objeto da natureza, que pode ser medido e controlado, submetido à relação causa-efeito. Desde Plantão e Aristóteles, o homem foi separado do mundo, criou-se a díade sujeito-objeto. Caminhando na história, temos Descartes que transforma o homem no seu objeto de estudo na medida em que duvida de sua própria existência, e consolida sua metodologia preconizando a razão como a única via para se chegar ao conhecimento das coisas, inclusive do próprio homem. Com Freud temos o aparelho psíquico explicado com termos emprestados da Física e da Mecânica – “a alma é unicamente um sistema de equilíbrio dinâmico-econômico, libidinal e caracterizado por seu rendimento” - frase publicada no seu livro sobre os sonhos, em 1900.

A Psicossomática herdeira desse pensar metafísico é definida por Jeammet (1989) como “todo distúrbio somático que comporta, em seu determinismo, um fator psicológico interveniente, não de modo contingente, como pode ocorrer em qualquer afecção, mas por uma contribuição essencial à gênese da doença”.

Nesse ponto, é fundamental questionarmos como compreendemos o existir humano? Se o compreendemos como a conjunção de sistemas estruturados que obedecem algumas leis a fim de garantirem o equilíbrio bio-psico-social, temos um Homem fragmentado, dividido em um binômio que recebe diversas denominações: corpo/mente, soma/psique, matéria/energia, orgânico/emocional, entre outros, mergulhado em um contexto social. Porém, essa é uma das leituras possíveis do que seja a nossa humanidade. A maneira como queremos abordar o ser humano nessa palestra difere desse modelo tradicional, propondo um novo paradigma que considere o Homem em sua totalidade indivisível, que possa apreender esse ser humano em sua existência mais profunda como ser-no-mundo. Isso significa que existimos concomitantemente em nosso âmbito corporal, em nossas emoções, em nossos projetos futuros e em toda carga de lembranças que trazemos conosco na construção de nossa história de vida.

Resgatar esse Homem indivisível constitui-se em um verdadeiro desafio, pois o pensar que o separa em instâncias está tão impregnado em nossa cultura que para muitos essa unidade do existir assume um caráter de total estranhamento. Não queremos ver o corpo apenas como um aparato físico-químico que reflete efeitos causados por um aparelho psíquico. Queremos entender o corpo enquanto fenômeno que revela toda a grandeza do ser humano.

Portanto, pretendemos pensar a psicossomática a partir do olhar fenomenológico, que busca, segundo Husserl, “compreender as coisas com o que elas mostram a partir delas mesmas”. Como já mencionado, se o Homem é um ser-no-mundo, mergulhado intrinsecamente na trama da vida, ele só existe na relação com esse mundo. Isso não significa dizer que o homem é uma parte separada dessa relação, mas sim que ele é no mundo, ou seja, ele só existe a cada instante enquanto relação entre ele e o mundo. Dessa forma, tudo que vivenciamos passa, necessariamente, pelo nosso corpo, uma vez que ele é constituinte do existir humano. Não é possível separar o psiquismo do corpo assim como não é possível isolar esse corpo da rede de relações significativas nas quais ele se encontra. Por exemplo, quando uma pessoa está angustiada, por conta de algum acontecimento em seu campo vivencial, será no corpo que esta angústia se manifestará. Portanto, uma dor psíquica é também uma dor física e vice-versa.

Tomando como ponto de partida a unidade ser-no-mundo proposta por esse novo paradigma, podemos compreender um processo de adoecimento no âmbito corporal olhando para a forma como essa pessoa realiza seu existir, quer dizer, entendendo como a pessoa interage com as solicitações de seu mundo e escolhe o seu responder no horizonte de possibilidades que sua existência lhe oferece. Assim, é possível uma compreensão fenomenológica desse adoecer.

Uma vez que o existir humano se realiza enquanto unidade, as doenças psicossomáticas podem ser compreendidas como uma restrição no âmbito corporal que se refere a essa totalidade existencial. Em outras palavras o adoecimento desvela uma privação nas possibilidades do Homem realizar sua própria existência.

O profissional da saúde que atenderá essa pessoa deverá estar atento a duas questões que se mostram fundamentais a partir desse novo olhar: qual é o aspecto da relação dessa pessoa como mundo que está comprometido e de que maneira essa relação se apresenta no corpo. É fundamental compreender como a pessoa vivencia o seu adoecimento e como entende as restrições ocasionadas pela doença.

Quando a pessoa consegue encontrar um sentido mais amplo em seu adoecer, enxergando a doença como um estreitamento de seu campo existencial a partir do modo como se relaciona consigo e com o mundo, ela pode vivenciar o estar doente de maneira muito positiva, pois terá condições de ressignificar esse momento e conduzir seu existir a uma condição mais autêntica.

Fica lançado, a partir dessas pontuações, um convite para olharmos com mais atenção o Homem contemporâneo, exposto a uma série de exigências provenientes de um mundo cada vez mais fragmentado, tecnológico, que o afasta de seu existir mais original, restringe suas possibilidades existenciais, limita o contato com o outro, com a natureza, com seu próprio existir. E aí está o desafio, resgatar a capacidade do Homem perceber-se novamente em todas as suas dimensões inseparáveis, enquanto um ser total, livre para concretizar suas escolhas de forma responsável, dando o sentido ao seu viver.

Por Anna Paula Rodrigues Mariano, Psicóloga e Psicoterapeuta Existencial

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Anna Paula Rodrigues Mariano, Psicóloga e Psicoterapeuta Existencial do Espaço Cuidar. Graduada em Psicologia pela Mackenzie. Aprimoramento em Psicologia Clínica Hospitalar pelo Hospital das Clínicas - USP. Formação em Psicoterapia Fenomenológico-Existencial pelo Centro de Psicoterapia Existencial - SP. Atua como psicóloga há 10 anos, desenvolvendo atividades de psicoterapia, ludoterapia, orientação a pais, orientação vocacional e supervisão na abordagem fenomenológico-existencial.


Publicado por: Anna Paula Rodrigues Mariano

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