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José Marins - um haicaísta paranaense

Quem é José Marins, biografia, contato com poesia, amizade com Paulo Leminski, haikai, exemplos de haicai,...

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José Marins é paranaense de Jandaia do Sul, mas se criou em Umuarama, noroeste do estado. Veio para Curitiba quando tinha 18 anos e mora na cidade há 35 anos. “Curitibanizou-se”, criou raízes e asas, onde das asas só possui agora o coto, pois diz ser uma pessoa caseira, um provinciano que não gosta da metropolização de Curitiba e se sente esmagado pela explosão demográfica, porém, brinca o haicaísta, busca o universo em sua aldeia. É casado com uma curitibana e tem um filho.

Formou-se em Psicologia Clínica pela UFPR, é psicoterapeuta de profissão, fez duas pós-graduações, em Educação e Antropologia e Mestrado pela UFPR (a biblioteca da UFPR e a Divisão de Documentação Paranaense da BPP têm exemplares de sua Dissertação de Mestrado). Desistiu da carreira acadêmica. Tem licença de jornalista e editor por trabalhos anteriores nestas áreas. Atualmente busca a Literatura como um caminho de desafios, desafios estes que o estimulam a prosseguir. É um autodidata dedicado, gosta de estudar e de praticar o que aprende.

Seu primeiro contato com a poesia foi logo aos 10 anos de idade, em 1963. Ele não conseguira gostar de nada do que lera nos livros escolares, até que nessa época leu uma crônica de Paulo Mendes Campos na Revista Manchete e nunca mais foi o mesmo, descobriu a verdadeira função poética da linguagem escrita. A prosa poética de Campos tocou-o: “então é possível a beleza com a escrita”, lembra-se. Feliz foi a sua descoberta, acabou lendo todas as crônicas de Paulo Mendes que foram publicadas naquela revista.

MARINS (2007) lamenta que nunca teve bons professores de Português, que nunca esteve numa escola que tivesse uma biblioteca. Em casa também não tinha livros, mas mesmo assim ele lia bastante, o que aparecia pela frente ele lia, os gibis também fizeram parte de sua leitura, mesmo sob as broncas de seu pai.

Nos anos 70, passou a ler e escrever poesias. Lia um caderno literário que saía todos os sábados no Correio do Povo, de Porto Alegre, não perdia um. Nesse caderno, dois poetas muito diferentes um do outro chamaram a atenção de Marins: Mário Quintana e Carlos Nejar. Este por ter uma poesia carregada de metáforas, que dá voz à condição humana e reflexiva e aquele pelo bom humor, simplicidade e por ser o mestre da alegria na poesia, seu mestre, comenta. Além de ler ainda hoje estes poetas, em especial Nejar, do qual já leu todo a sua obra, dedicou a este o seu livro “Fazendo o Dia”.

Escrevia em cadernos tudo o que lhe vinha à mente, poemas, contos, crônicas. Porém, perdeu tudo em uma de suas mudanças quando morava em uma pensão de estudantes. Escreveu durante dois anos em um jornal da capital, tinha a sua própria coluna dentro de uma página literária coordenada pela Juril Carnascialli. Passou a freqüentar a Feira do Poeta.

Chegaram os anos 80, que Marins chama de “leminskianos”. Fez amizade com Paulo Leminski e muitos outros poetas: Geraldo Magela, Delores Pires, Eduardo Hoffmann, Alice Ruiz, Rollo, Regina Bostolim, Josely Viana Baptista, Fernando Karl, entre outros. Publicou várias antologias das quais destaca a primeira: Primeiro Ato, pela Editora Beija flor. Trata-se de uma antologia de poetas universitários, organizada por Josely Viana Baptista.

Quando mostrou o seu primeiro livro para o Leminski, ouviu do poeta: “esses tercetos seus bem que poderiam ser haikais, você leva jeito para o haikai”. A partir daí, Marins procurou estudar tudo o que encontrava sobre o haikai. Leu Paulo, Alice, Delores. Não havia internet na época e era difícil obter informações e ler os bons poetas do haikai.

Publicou, em 1985, o livro “Poezen”, com 88 haikais livres, bem ao estilo de Leminski, seu principal orientador. Paulo gostou tanto dos livros que escreveu no jornal Correio de Notícias, onde fazia crônicas semanais, que os livros “Poezen” e “Fazendo o dia” haviam sido o que de melhor se havia publicado naquele ano.

Com a morte de Leminski, em 07 de junho de 1989, o maior balde de água fria que o movimento poético de Curitiba já recebeu, tudo se arrefeceu, todos se paralisaram. Uma nova geração surgiu, agora com outra mentalidade, outra práxis. Marins só vai retomar seu caminho com o haikai algum tempo depois, desta vez com o pessoal do Grêmio Haicai Ipê, de São Paulo, através da lista Haikai-I, na internet.

Em 2005, com a parceria do haicaísta Sérgio Francisco Pichorim, publicaram o renga duplo Pinha Pinhão, Pinhão Pinheiro, e já têm, ainda inédito, mais dois rengas prontos para publicação com 200 estrofes cada.

MARINS (2007) publicou ainda um livro infantil, “Monalisa, a conchinha sabida”, pela Araucária Cultural. Produziu mais dois livros de haikais: ”Karumi”, com 100 haikais; “Bico de João-de-barro”, também com 100 haikais; “Das trincas coração”, com 140 tercetos; “Haibun”, com 40 haibuns (pequenos textos em prosa poética seguidos de um haikai; “O dia do porco”, um romance; “Memórias de vidro”, contos. Possui ainda 10 histórias para crianças e uma alentada pesquisa sobre o Haikai no Paraná ainda não finalizada. Diante de tanto material inédito, o escritor lamenta a falta de uma editora para bancá-lo.

Fez ainda um detalhado e longo ensaio sobre a vida haicaísta de Helena Kolody, a pioneira do haikai no Paraná, na internet (www.kakinet.com).

Nos últimos três anos, tem colaborado com a Biblioteca Pública do Paraná, onde é membro da Oficina Permanente de Poesia e ministra aulas sobre a poesia de autores paranaenses e faz oficinas e palestras sobre temas literários. Faz parte também do Centro de Letras do Paraná.

Apesar de já ter mais de vinte anos de experiência com o haikai, Marins ainda se considera um aprendiz da arte do haikai, pois, apesar de possuir uma forma fácil, o aprendizado da arte do haikai se dá através de uma longa caminhada.

A implicatura não está somente nos aspectos formais do poema, mas, sobretudo, numa atitude poética perante a natureza e os acontecimentos humanos, onde outros aspectos como a vivência, a observação, o treino da percepção, a notação, o uso dos sentidos, a memória, a valorização do instante, a escolha do momento e o recorte da cena haicaística são muito importantes para o amadurecimento do haicaísta. Quanto mais se aprende do haikai, melhor poeta se torna, e é neste sentido que José Marins se insere e sempre está em busca de novas informações e conhecimentos (MARINS, 2007).

Sua fonte está no dia-a-dia, pois para ele, o haikai se apresenta a toda hora, todo momento e as sensações podem captar várias imagens de acordo com esse momento. Quando passara por uma rua, há um ano mais ou menos, MARINS (2007) captara a seguinte imagem no haikai que tanto gosta:

Azul infinito
Róseas flores de paineira
caídas na calçada

Em uma recente passagem pela mesma rua, a percepção que teve agora foi outra:

Há pouco choveu
sobre o preto do asfalto
Flores de paineira

Exposto a um momento de contemplação, o haicaísta captura o haikai. Para esse momento, não há hora marcada. Segundo MARINS (2007), quando perguntado sobre o que era preciso para ser um haijin (poeta do haikai), o “nosso” mestre de haikai no Brasil, H. Masuda Goga, retirou do bolso uma caderneta e uma caneta e disse: “É preciso isso!” (MARINS, 2007).

O haikai é o que acontece no momento, representa a simplicidade, a contemplação, a compreensão da mutabilidade das coisas do mundo, a visão do mundo como poesia e o amor à natureza e ao cosmo. O haicaísta precisa despojar-se das complicações intelectuais, brincar com a palavra e ter uma linguagem para se expressar. O que Marins gosta é desse realismo no poema, do enorme espaço que se tem para criar com ele. O realismo é a objetividade que recusa a subjetividade, o sentimentalismo, o uso inadvertido da metáfora e a inconveniência da personificação e do antropomorfismo no haikai. Busca-se na captação da cena, na retratação e no flash a fidelidade do poeta quanto à sua vivência, e essa percepção deve ser mantida na escrita, no uso da linguagem sem os artifícios literários (MARINS, 2007).

Certa vez, após dar explicações a respeito da importância da vivência do poeta na realização do haikai, uma pessoa disse para Marins que ele jamais poderia fazer um haikai a respeito do Monte Fuji, famosa montanha do Japão. Passado algum tempo e eis o que lhe ocorreu (MARINS, 2007):

O cimo gelado
da alta montanha vulcânica
Vista de folhinha

Mesmo através de uma folhinha (calendário), que é uma tradição bem brasileira, pode-se capturar o momento (MARINS, 2007).
Além da retratação do momento, do instante da percepção, da captura do detalhe na cena haicaísta que dá ao poeta a dimensão da realidade, outro quesito importante da objetividade para MARINS (2007) é a presença do kigo, palavra pela qual se possa reconhecer a estação do ano em que o haikai foi realizado. No haikai acima, temos como exemplo de kigo a palavra “folhinha”, que se refere ao verão. Além disso, o poema precisa ser feito em duas partes dentro dos três versos, ter o kire (corte), ter a métrica de 5-7-5 sílabas poéticas, não ter título e nem rima.

Essas características se referem à forma clássica brasileira, que busca conservar uma proximidade com o original japonês. Apesar dos desafios encontrados na adaptação do haikai, MARINS (2007) acha que isso é feito com um certo rigor, pois foram os próprios japoneses que aclimataram o haikai clássico no Brasil e é essa escola que ele segue. Cita Goga, que afirma que “o haicai é uma forma universal, pode ser aprendida e praticada em qualquer língua” (MARINS, 2007).

Apesar de seguir a escola clássica, Marins também gosta dos haikais livres. Seu livro Poezen é feito deles. Outro estilo que gosta é do guilhermino. Suas influências são os bons haicaístas. Gostaria de escrever como Onitsura, Issa e Basho; ter o conhecimento do Paulo Franchetti; a pureza de Edson Kenji Iura; a simplicidade de Goga; a amplitude do manejo técnico da Rosa Clement (MARINS, 2007).

Quanto aos “fazedores” de haikai, aqueles que cultivam há anos os mesmos erros e vícios e nunca mudam, além de evitá-los, MARINS (2007) não os cita por não considerá-los haijins. Ele deixa bem claro que “no haikai, cada poeta tem que encontrar o seu caminho, ter o seu modo próprio de realizar o haikai”. Ele vem construindo o jeito dele de escrever. “Quem sabe já nem tenha mais influência” (MARINS, 2007).

Destacamos abaixo alguns de seus haikais do livro Poezen e outros dos livros ainda inéditos Bico de João-de-barro e Karumi, que, gentilmente, o autor autorizou a divulgação dos mesmos neste trabalho.

Do livro “Bico de João-de-barro”:

PRIMAVERA:

Saudades e flores
no cemitério antigo
Dia de Finados

VERÃO:

Calor de verão
A trabalheira que dá
ter essa preguiça

OUTONO:

Risadas do piá
Aroma de mexericas
na foto não sai

INVERNO

Tardinha de inverno
As letras do dicionário
parecem menores

Do livro Karumi:

PRIMAVERA:

Voam andorinhas -
Na moldura da janela
uma tarde azul

VERÃO:

Círculo sem fim
Uma formiga no prato
não consegue sair

OUTONO:

Velho casarão
Os crisântemos florescem
também no abandono

INVERNO:

Vapor sobre o lago
que ontem refletia a lua –
Manhã de inverno

Do livro “Poezen” (MARINS, 1985):

NOITE:

Anoitece o dia
Colar de pérolas
na fileira dos postes

Nenhuma estrela no céu
As pintas de suas costas
me iluminam

MADRUGADA:

Madrugada chegando
Naquele prédio
a penúltima luz se apaga

Olho estrelas no céu
Distraído mijo sobre
azaléia florida

MANHÃ:

Sobre o velho muro
velho pessegueiro
cheio de flores novas

Pacientes as nuvens
vão mudando sempre
o rosto azul do céu

TARDE:

Sombra da árvore
O dia parou
pra descansar

Ônibus lotado
Meus olhos cheios
de rostos cansados

Trabalhos de José Marins (MARINS, 2007):

- Fazendo o dia (poemas), Curitiba, Araucária Cultural, 1985;
- Poezen (haikais), Curitiba, Araucária Cultural, 1985;
- Monalisa: a conchinha sabida (infantil), Ctba. Araucária Cutural, 1989;
- Pinha-pinhão pinhão-pinheiro (haikais encadeados) em parceria com Sérgio F. Pichorim, Curitiba, Araucária Cultural, 2004;
- Karumi (100 haikais), inédito;
- Bico de João-de-barro (100 haikais), inédito;
- Das trincas coração (tercetos), inédito;
- O treinador de tico-ticos (contos), inédito;
- O dia do porco (romance), inédito;
- Haibun (haibuns), inédito;
- Quiçaça (romance), inédito.

Como editor (Araucária Cultural):

- Fazendo o Dia (poemas), José Marins;
- Poezen (haikais livres), José Marins;
- Ciclo da Lua (poemas), Maria do Rocio;
- Canto de Sabiá (haikais), Benedita Azevedo;
- Praia do Anil (haikais), Benedita Azevedo;
- Jardim de Lembranças (haikais), Alice Arns;
- Pinha Pinhão, Pinhão Pinheiro (renga), José Marins e Sérgio F. Pichorim;
- Che Paraná Porá (haikais), Sérgio Francisco Pichorim;
- Nó de Laço (poemas), Consolação Buzelin;
- Lua caolha (poetrix), Marilda Confortin. Curitiba, 2008.

As antologias realizadas foram as seguintes:

- Primeiro Ato. Curitiba, 1979, Editora Beija-flor;
- Segundo Ato. Curitiba, 1980, Ed. Beija-flor;
- Prêmio Scortecci de Poesia 82. São Paulo, Editora Scortecci, 1982;
- 4a Noite da Poesia Paranaense. Curitiba, Teatro Guaíra, 1983;
- Coletânea de Poesias. Curitiba, Casa do Poeta do Paraná, 1983;
- A Nova Poesia Brasileira. Rio de Janeiro, Shogun Arte, 1983;
- Primeiros Tempos. III Festival de Poesia, Ibiporã, 1985;
- Poetas na Praça. Curitiba, Feira do Poeta/FCC, 1985;
- 3o. Concurso de Poesias. S. Bernardo do Campo, SECE, 1985;
- Oficina de Poesia Roza de Oliveira. Curitiba, Oficina de Poesia, 2003.

Seus trabalhos realizados na internet são os seguintes:

a) Revista Brasileira de Haikai - caqui

- Ensaio sobre Helena Kolody pioneira do haikai.
http://kakinet.com/caqui/kolody.php

- Alguns haikais (rolar até 'josé marins')

http://www.kakinet.com/graffiti/

b) Sumauma (site especializado em haikai):

http://www.sumauma.net/haijins/haicai-marins.html

c) Universo do Haikai

- haikais:
http://universodohaicai.vilabol.uol.com.br/jmarins.htm

- renga (Cão Sonolento):
http://universodohaicai.vilabol.uol.com.br/umrengaespecial.html
(ver em Comentário Geral)

- entrevista (bate-papo sobre haikai):
http://universodohaicai.vilabol.uol.com.br/entrevistajosemarins.html

d) Vales dos Haikais:
http://www.haicai.com.br/index02.htm

e) Germina Literatura
http://www.germinaliteratura.com.br/haicais_junjm.htm

f) Jornal de Poesia
(Constam: poemas, haikais, tercetos e dois haibuns):
http://www.jornaldepoesia.jor.br/josemarins.html

Obs: Este texto foi extraído do TCC “O HAIKAI EM SALA DE AULA”, de Alvaro Mariel Posselt, Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, junho de 2007.


Publicado por: Alvaro Posselt

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