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Análise dos Poemas Digitais “Nome” e “Diferente”de Arnaldo Antunes por Elvira Livonete Costa

Confira aqui uma análise dos poemas "Nome" e "Diferente" de Arnaldo Antunes!

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Introdução

A atividade poética vem sendo explorada cada vez mais nos meios eletrônicos-digitais, de forma que têm se buscado adequar o uso da palavra às mais diferentes técnicas e tecnologias como forma de comunicação poética. Esta tendência retira a palavra da inscrição exclusivamente verbal, para experimentar outros sentidos, não apenas o visual, mas também o oral. A poesia digital - ou qualquer outro nome que ela teve ou possa ter - tem um percurso que vai do som, da palavra e da imagem, do estático ao dinâmico, do linear ao não linear, do intertexto ao hipertexto, da apresentação impressa ou on-line. Através da tradução intersemiótica – aquela que possibilita a transposição sígnica de um sistema semiótico para outro com abertura para a recriação da linguagem, criou-se a primeira possibilidade de interação da poesia em meio digital.

O objetivo desta análise é fazer uma reflexão sobre as questões teóricas e práticas na produção da poesia digital, que mudanças ocorrem neste processo de transposição dos meios convencionais para o eletrônico, que pensamentos norteiam este fazer poético, e finalmente, quais os fatores e aspectos relevantes neste percurso da poesia através da tradução intersemiótica, tudo isto tomando como enfoque dois dos poemas digitais de Arnaldo Antunes, “Nome” e “Diferente”.

A Poética no Poema Contemporâneo

A palavra (poesia) tomou nova forma no mundo pós-moderno, rompeu com alguns paradigmas literários e criou ao mesmo tempo, novas possibilidades de concepções do poema. A palavra deixa de ser linguagem verbal e amplia seus horizontes, suas delimitações, para tornar-se texto verbal, sonoro, visual, audiovisual e digital em outro contexto.

Esta interatividade busca equilibrar os meios do ciberespaço e a literatura, enfatizando o dinamismo e a criatividade. Visa elaborar uma linguagem resultante de uma fricção dos mecanismos tecnológicos e os sentimentos humanos.

Os vários aspectos analisados da poética dentro do contexto digital são: resultado da junção da palavra e imagem, metáforas ou ausência de palavras, imagens utilizadas em substituição dos signos verbais, recursos tecnológicos e eletrônicos como produtores de sentido.

Partindo dos pressupostos de Deleuze e Barthes, sobre o atrito entre artes, o resultado destas fagulhas, seria um terceiro elemento. Sabendo que este atrito é de ordem sígnica, e estes signos estariam em processo de mutação. Esta fricção dos processos literários já existentes com os procedimentos videográficos e digitais se funda sobre conceitos da hibridização de linguagens.

A instabilidade da palavra converge para uma diversidade plurissignificante de imagens, rompe com concepções ultrapassadas, abandona e reinventa sua constituição, mas acima de tudo propõe novas maneiras de entender nossa existência. Revela de alguma forma a dispersão e a reorganização sígnica, é uma atividade de motivação semiótica de sobreposição e entrecruzamento de códigos e discursos que possibilita, à leitura, múltiplas travessias de sentido.

NOME

Arnaldo Antunes

 

Algo é o nome do homem

Coisa é o nome do homem

Homem é o nome do cara

Isso é o nome da coisa

Cara é o nome do rosto

Fome é o nome do moço

Homem é o nome do troço

Osso é o nome do fóssil

Corpo é o nome do morto

Homem é o nome do outro

O inclassificável, Arnaldo Antunes afirma não pertencer a nenhum movimento ou conceito. Apesar de reconhecer sua influência concretista, o cantor, músico, poeta, entre outras coisas, vê sua arte como uma mistura de tudo. O músico e poeta criou no meio digital, uma ponte entre estas diferentes linguagens, quebrando de vez com a dicotomia literatura x música. Sua arte evidencia a valorização do conteúdo sonoro e visual, possibilitando diversas leituras.

No poema “Nome”, o autor se utiliza da palavra como elemento de desconstrução da figura humana, o qual ele classifica e ao mesmo tempo o desclassifica de qualquer tipo de conceito (homem, moço, cara, algo, coisa, troço). Este homem já perdeu toda sua identidade, tornou-se um vazio total. É um tudo e o nada em um mundo frio, subjetivo e impessoal.

Os vários conceitos do homem se expandem, chegando ao limite abstrato da existência, causando até mesmo certa estranheza. O músico-poeta se utiliza de sua voz, de forma seca, em um tom quase agressivo, provocando uma sensação de impessoalidade.

O ser humano sempre esteve à procura de referências, de suas origens e de seu eu interior. No poema, a identidade deste homem é colocada em xeque, e vista como um ser multifacetado, confrontado com as múltiplas formas que adquiriu em relação com o outro e até consigo mesmo.

A poesia nos remete a uma realidade onde a figura do homem pode ser observada de diferentes ângulos e nos leva a uma profunda reflexão sobre este ser enquanto parte de um meio. Qual seu valor, sua função, sua forma e seu conteúdo.

Diferente

Arnaldo Antunes

 

              tá tudo tão diferente

eles são tão parecidos mas não como nós

eles falam outra língua apela nossa voz

            eles são tão bonitos

         mas não são como a gente

eles vêm de muito antes que nossos avós

eles fazem companhia mas estamos sós

              tá tudo tão diferente

eles são de carne e osso mas não têm suor

eles têm os olhos grandes para ver melhor

             eles têm a boca grande

As imagens de um feto em formação nos revela uma estranha metamorfose humana antes de adquirir sua aparência final. Os movimentos contínuos deste  diferente ser durante o vídeo sugere a criança em seu mundo particular, sozinho, isolado. Desenvolvendo suas percepções e experiências em sentidos multiníveis, inserido em um sistema dinâmico de relações internas e externas.

O poema faz uma abordagem ao processo de vinculação das crianças a alguns estranhos personagens da televisão e do cinema, isto nos leva a refletir em como isto afeta em sua formação como indivíduos

A mídia atual fugiu do seu papel de divertimento e lazer, se tornando um instrumento pelo qual o mundo é apresentado ao indivíduo, muitas vezes, sendo esse o único instrumento. Dentre as

mídias há uma grande representatividade da televisão, que tendo fortes efeitos em massa, cria um cenário de multimídia apresentado diariamente a crianças, modelando comportamentos e relações interpessoais (BOURDIEU, 1997).

A relação feita entre os nomes de personagens de desenhos animados e o bebê sendo gerado, pode ser analisada de duas formas. Primeiramente pela influência da mídia na personalidade de uma criança, é nessa relação da criança com os super-heróis que são plantadas as sementes de valores e ética.

Um segundo enfoque seria a visão do homem para si mesmo. A múltiplas formas do ser humano em formação no vídeo, seres estranhos, disformes, isto faz-nos comparar com alguns nomes citados no texto, Aliens, ET, MUMM-RA, Frankenstein, etc. O homem é uma constante mutação de formas e conceitos, uma hibridização entre múltiplas faces, uma criatura dotada de formas estranhas sob alguns aspectos.

Acompanhado de uma música ritimada por instrumentos variados e diferenciados como chocalho de lata, berimbau, violão de aço, tablas, vaso, tubofone, entre outros, propositalmente para nos remeter a um universo infantil.

Arnaldo Antunes busca exatamente isto em sua poesia, trazer uma nova visão sobre as coisas mais simples do cotidiano, algo antes impensado. Fala com as pessoas de forma particular e ao mesmo tempo irreverente, sempre inserindo alguma estranheza, alguma coisa que altere nossa sensibilidade.

“Eu trabalho com criação , desejo experimentar, questionar o gosto comum, e ampliar, de alguma forma.” Arnaldo Antunes

Conclusão

O  multimidiático e ciberpoeta, Arnaldo Antunes, se configura pelo uso das tecnologias para representar signos verbais e não verbais, fazendo uma interação entre diferentes códigos através da palavra e da arte. Sua poesia contemporânea está em constante mutação juntamente com as novas tecnologias, onde observamos o predomínio de imagens, vista que é a linguagem visual da palavra. Ele pode ser considerado um poeta experimentalista, brinca com a linguagem, dela cria imagens e novos significados, busca a liberdade de produzir e expressar sua poesia de forma independente.

Apesar de inegável sua influência concretista, e também referências como de James Joyce e Mallarmé, torna-se impossível rotulá-lo de alguma forma, pois Arnaldo realiza uma mistura de muitos estilos.

Referências Bibliográficas

BOURDIEU, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

DOMINGUES, Diana. A arte no século XXI: a humanização das tecnologias. São Paulo:Unesp, 1997.

FERREIRA, Ana Paula. Videopoesia: Uma poética da Intersemiose. 2001-2003. 252f.

Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira). FALE Faculdade de Letras UFMG, Belo Horizonte, 2003.


Publicado por: Elvira Livonete Costa

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