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A festa de São Martinho

A festa de São Martinho, um santo, um tempo, uma leva de imigrantes e uma localidade, a cantina Orlandel, a estátua e o santo, Cavalos e donos assustados.

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A FESTA DE SÃO MARTINHO

De Luiz Romeu Oliboni, F.C.,2004
l.oliboni@terra.com.br

Escrevi este meio conto, meio verdade, para que você possa, por alguns minutos, ler fatos circunstanciais, em torno de: um santo, um tempo, uma leva de imigrantes e uma localidade, onde aconteceu a festa de São Martinho, no travessão do mesmo nome.

O santo é do século IV, hoje com 1690 anos. Nasceu em 316, filho de soldado romano, chegou a ser Cavaleiro da Guarda Imperial Romana. Diversos fatos ocorridos na sua vida o tornaram santo.

A Festa se desenrola, acontece no travessão Martinho no município de Flores da Cunha, Rio Grande do Sul, Brasil.

Imigrantes do norte da Itália chegam à localidade anos após em 1875... Católicos devotos do santo. E a ele constroem uma capela. A estátua do santo há muito comprada e paga ao artesão santeiro do norte da península da bota, ainda não chegara ao destino. Há muitas divagações em torno do fato, de tanta demora!

Carta à comunidade, há tempo esperada, foi enviada pelo pároco da igreja Santa Tereza de Caxias do Sul. Boas novas! Diz ela: acaba de chegar a venerável estátua de São Martinho para vossa comunidade. Amém!
Providência venha ser tomada de vossa parte, para vir buscar o vosso santo para que venha dignificar a vossa comunidade!

A comissão da comunidade realiza eleições para prover dez pessoas com a finalidade de ir a Caxias do Sul, buscar a estatua do santo. Resultado das eleições: dez jovens de boa reputação, católicos e trabalhadores e muito fortes, foram eleitos.

Traçam logo os objetivos: segurança total à estátua; observar o tempo, permanentemente. Atenção com enxames de abelhas; alerta a animais ferozes às margens da estrada. Quadruplicar as atenções, uma vez que, o transporte da estátua será via ombros e com revezamento: 4 X 4.

O caminho traçado é o único existente. Travessão Felisberto da Silva: Linha Cem, Oitenta, Sessenta, Quarenta, Vinte e finalmente em Caxias do Sul.

A ida foi tranqüila! O grupo aproveitou para observar detalhes, pelo caminho, que pudessem ser colocados em prática, quando da volta com o santo.

A caravana foi bem recebida em Caxias. Logo despachada! Algumas recomendações. E boa viagem! Mandem notícias quando chegarem ao destino!

Os fatores para a volta são mais preocupantes: tempo, espaço e peso nos ombros dos dez jovens. Muito bem preparados fisicamente, mas ainda inexperientes, nessas travessias, para o ‘Campo dos bugres’! (...Terra de índios)

A caminhada de volta continua, com muita atenção, pois a estátua não é de ferro.

Dois terços do trajeto feitos. Próximo à Linha Oitenta. Cansados os carregadores, dois dias de estrada, cerca de 30 quilômetros percorridos. Visualizam, nesse local, a cantina Orlandel.

Improvisam e cantam para a família a canção: “% Farem un’a cantada, andar d’Orlandel %. Repetidas vezes... Traduzindo: faremos uma canção ao irmos à cantina do senhor Orlandel.

A canção demoveu os da família! Ainda despertam da sesta, animais que saem debaixo de árvores. Cães quase mordem os mais chegados.

Por ordem do senhor Orlandel, o empregado abre as duas grandes portas de madeira, pesadas, com dobradiças muito arcadas e fixadas às madeiras com arrebites muito fortes. Além de vinho, havia: pão e copas e um espaço de temperatura amena para um bom descanso: renovar o corpo e a alma de cada um.

Os convidados foram entrando. Cantina à dentro! E logo, ali, puseram a estátua do santo, em seu cavalo, sobre duas pequenas pipas de vinho vazias. Um do grupo, fazendo referência ao santo, ali postado, disse-lhe: não quer apear do cavalo, Senhor? Assim, ele também poderá descansar!

Alguns riram uma risada tênue, em respeito à estátua e do santo!

Foi erguida uma escada em direção ao teto. O dono sobe nela e desce pães e copas que foram postas sobre a mesa, ali, grande e pesada, feita com tábuas de puro cerne, de pinheiros velhos.

O senhor Orlandel faz quase um discurso de campanha eleitoral. Dá as boas vindas à caravana e pede a bênção do santo, que estava ali, na entrada de sua cantina. Diz que a missão, desses jovens, estava quase no fim. Mas que o cuidado deve ser contínuo e permanente!

Pede a todos que tomem assento, junto às bancas: duas de comprido da mesa. De imediato os lugares foram ocupados!

Muita conversa, muito vai e vem! Muito de: fome, sede e vontade de descansar!

Um balde de madeira, cerca 18 litros, foi mergulhado de boca na boca da
pipa, no lado de cima. Subiu cheio. E de suas bordas escorria o vermelho-sangue de pura uva. Presente do deus Baco! Ou milagre de São Martinho?

Canecas foram feitas cheias, com o vinho, que há minutos, fora tirado da pipa. Uma concha fazia o serviço de busca do vinho no balde, para as canecas, enfileiradas na borda da mesa. Todos observavam o ritual...

Vizinhos chegam à cantina para ver a estátua do santo a cavalo! Que grande! Que cavalo, que bonito! Quê... Quê!
Todos comeram, beberam, como nunca, nessa missão! Foi uma festa! Foi uma dádiva da família Orlandel.

Após horas: a partida!

Estátua nos ombros! Agradecimentos na ponta da língua. Por muitas vezes. Pés na estrada! Partem! E cantam a canção de despedida! A mesma de chegada: ‘Farem u’na cantada andar D’Orlandel...

O vinho deu energia a uns e apagou a de outros! Vinho demais, faz patinar no seco, diz o ditado! O perigo agora ronda a estátua de perto!

Muito caminharam, mas ao destino, ainda não chegaram!

À noite, chegam a estátua e o cortejo ao destino. Modesta capela de tábuas. Missão cumprida! Os jovens cansados! Mas com o dever passado a limpo. Muito aplaudidos! Fosse mais cedo, haveria mais gente.

A estátua do santo a cavalo inteira no cavalete, sem nenhum arranhão! Mais aplausos!

Para a festa! Preparativos levam meses. Outros não! O corte da grama com gadanho. Varredura com as vassouras de ramos de ‘serezera’. Assoalho da igreja muito limpo. Copos e pratos postos no escorredor. As garrafas cheias de vinho tampadas com palhas de milho.

Churrasco cozido em valas de chão. Espetos de vara verde nos nacos de carne, sobre as brasas: ponta de peito, costela, carne com ossos. Os comentários. A carne sempre fora dura!

As lenhas são cortadas há meses de árvores de troncos de cerne. Fazem brasas mais duradouras e cozinham melhor o churrasco.

Quase todos compram espetos de churrasco. E os carregam nos ombros, como fossem fuzis. A pé, junto a convidados seus, vão muito depressa, parecendo marchar, para suas casas! Em casa, o almoço era sempre muito bom e diversificado: sopa de agnollini, carne lesso, crem, churrasco, pão, biscoitos, café, sagu e os melhores vinhos produzidos na parte de baixo da casa. A cantina da família.

Sábado, dia que antecede à festa - o ‘sábado inglês’ - isto é, não trabalham nas atividades habituais da semana. Os rapazes fazem a barba, tomam banho, preparam suas roupas domingueiras; lustram os sapatos, usam perfumes e se divertem muito!


È chegada a hora e o dia da festa. Domingo! Todos à localidade: travessão Martinho. A festa de São Martinho! Grande padroeiro, antigo e atual santo da religião católica. Proteja a todos! Amém!
Jovens inauguram roupas novas: saias, blusas, sapatos, bolsas, camisas (...) Jovens com cavalos muito bem tratados, bonitos, encilhados e marchadores! Imitando o santo com seu cavalo, provavelmente!

Muita gente, de lugares diversos e distantes. Falam, caminham, gesticulam, se apresentam, se abraçam. Comentam os preços das uvas. Qual seria a largura do Rio Guaíba em Porto Alegre? Arriscam falar do câmbio. Importação e exportação, dali, para muito mais coisas!

Gente e gente despontam da longa estrada: a pé, a cavalo. Chegou o padre na hora! Disseram. Às 10h! Com o cavalo suado, até espumava! Cumprimentava a todos e sorria.
O recepcionista foi logo de encontro e conversaram. O frei apeou do cavalo e o fiel sacristão tomou as rédeas do cavalo e o levou para amarrar, junto a um poste do parreiral, próximo à capela.

O sino tocou na torre sobreposta à capela. Ambas construídas de tábuas de pinheiros. Serrados à mão. A igreja desbotada de sua cor original, amarela. Três degraus de pedra formam a escada para a porta principal!

Os fiéis lotam a capela. Maioria fica no lado de fora. Ouvia-se de tudo: um rapaz exibido, muito namorador, falando dialeto vêneto, cabelo penteado para trás, curto - escova, ensopado de brilhantina. Passava-se de galã e esperto. Gostava de todas as bebidas, disse ele. Realmente cheirava a vinho! Na presença de todos, sem mais nem menos, disse ele: a fulana de tal (...) Eu e ela, ontem à noite, debaixo do parreiral, ficamos até meia noite, saímos tontos de alegria e ninguém nos viu. Os pais dela pensavam que ela estava trabalhando na capela. Deu uma gargalhada forte e de canalha, sem se importar com a moral da moça, mesmo fosse verdade!

O pessoal não deu importância para o quê disse. Soube-se que não fora eleito e nem mesmo obteve um voto, na eleição que elegeu a caravana (...)

A missa. A consagração. Todos resignados à presença de Jesus! Rezar é necessário, mais do que nunca, nos dias de hoje, porque as maldades estão no mundo todo: os demônios são disfarçados, trabalham em conjunto e estão soltos como os ventos de inverno, que sopram do sul e uivam como lobos bravios nas consciências equilibradas das pessoas de bem! O Minuano alerta o perigo às pessoas de bem e apanha sem poncho as de mal, na curva da estação: outono x inverno da vida!

Ofertório. Consagração. A Hóstia consagrada na Santa Missa: é coisa séria!
A campainha toca. É sinal de concentração espiritual. O Cristo está vivo!
Alegrai-vos! O Cristo está vivo! Festa! Aleluia!
Foguetes...Cantoria...“Senhor, senhor, perdão”..Sino..Movimentação de pessoas....Circulação...Pessoas...Trabalhando...Levando... Batendo latas...O cheiro do churrasco... O vai e vem das crianças...Correm... Gritam...Cantam...Choram...

Esses e outros...
Foram os fatores precursores do rastilho de pólvora que desfez a paciência dos cavalos. Assustaram-se, lá de onde estavam amarrados, junto à cerca do cemitério da comunidade, próximo a capela, uns 40 metros.

Com muita veemência, relincham de medo e pavor. Arrancam, arrastam com fortes golpes de fúria e espanto implacáveis, os postes e a cerca do cemitério para a estrada, em direção à capela, onde, ainda a missa não havia acabado!

Cavalos e donos assustados...

Fato visível e cruel. Ali, ao vivo e a cores, acontecendo!
Cavalos indomáveis e donos domados.
Donos blasfemam, cavalos relincham.
É lamentável, é incrível, é desagradável!

É assustador o fato em foco!
É batalha campal.
São Martinho entendeu tudo.
Ele fora Cavaleiro da Guarda Imperial Romana!
Mulheres corriam de um para outro lado.
Gritavam com as mãos nos cabelos, descabeladas!
Procuravam os filhos, ali em volta!

Cavaleiros blasfemavam defronte à igreja, onde à missa não acabara de ser rezada!
Cavalos caem, rodopiam, relincham, freneticamente de dor, emaranhados nos fios e na tela da cerca de arames, juntos, ainda aos postes, que de pé, guardavam os mortos no restrito recinto sagrado. O cemitério!

Poeira de terra seca se erguia a metros sobre a localidade da batalha campal.

Da capela, as pessoas cantavam assustadas, as vozes saiam trêmulas de suas gargantas: perdão, perdão, Senhor, perdão!

Uns comentavam que haveria feridos e mortos!
Cavalos seriam sacrificados!
Pessoas corriam da capela para fora.
Outras, de fora para a capela.

Escrevi este meio conto, meio verdade para que você pudesse, por alguns minutos, ler fatos circunstanciais, em torno de: um santo, um tempo, uma leva de imigrantes e uma localidade, onde aconteceu a festa de São Martinho, no travessão do mesmo nome.


Publicado por: Luiz Romeu Oliboni

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.