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Ação cultural da prática bibliotecária

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   Ação cultural na prática da biblioteca: uma estratégia dinâmica na mediação do conhecimento.

 

 

Jair Rosário Filho,

Júlio César Nobre

                                   

“O homem começou recolhendo dados sobre o seu mundo, contando, mediando e atribuindo valores a cada coisa. A relação entre dados cria a informação. Logo, organizar dados é o mesmo que elaborar a informação. Organizar informações leva o homem ao conhecimento. Sistematizar conhecimento nos conduz à ciência e à arte. A evolução das ciências e das artes cria a cultura. A sedimentação das culturas produz a civilização. Sobre o alicerce das civilizações, constrói-se a sabedoria humana. É a sabedoria que talvez nos conduza um dia à PAZ e a FELICIDADE sobre a terra. Isto é CIDADANIA”.                                                 

                                                                                  OMAR CARRASCO

 

RESUMO:                                  

O artigo tem o objetivo de propor, para a biblioteca escolar, uma ação cultural-bibliotecária na prática, com o objetivo de dinamizar a mediação da informação e do conhecimento, bem como sua utilização através de ações lúdicas, criativas e inovadoras, que despertem o interesse de um público rodeado por uma realidade muitas vezes problemática. Através da conceituação do que é cultura, ação cultural, visa também demonstrar o grau de aceitação do usuário pela proposta sugerida; identificar quais os tipos de atividades culturais, que mais o agradariam por ordem de preferência, e verificar sua opinião a respeito de atividades culturais promovidas pela biblioteca fora de seu espaço físico.

 

­­Este ­artigo desenvolvido pelos alunos Jair Rosário Filho e Júlio César Nobre, é pré-requisito para a conclusão do curso de biblioteconomia sob a orientação da Professora do Departamento de Ciências da Informação, Profa. Dra. Maria Virginia Moraes de Ara na, doutora em Comunicação e Semiótica.

 

PALAVRAS – CHAVES: Cultura – Ação Cultural – Biblioteca Escolar – Pesquisa

 

1. INTRODUÇÃO

 

Francis Jeanson (1973), em seu trabalho L´action culturelle dans la cité, diz que O processo de ação cultural resume-se na criação ou organização das condições necessárias para que as pessoas inventem seus próprios fins e se tornem, assim sujeitos da cultura e não seus objetos”. Através do lúdico e do imaginário, a biblioteca escolar deverá exercer uma participação mais efetiva em eventos e projetos voltados ao resgate cultural, promovendo ações que visem à mediação da informação no processo político-educativo, no qual seu público e, principalmente o não público, passem de meros receptores a produtores de cultura, participando da discussão sobre essas questões. Segundo Flusser (1983), a biblioteca passaria de uma depositária de acervo cultural para um núcleo cultural vivo, passando a oferecer cultura através de uma dinâmica de ações culturais efetiva. Dessa maneira, a biblioteca escolar estaria rompendo com seus paradigmas tradicionais dentro da escola, deixando de ser apenas um suporte ou uma extensão da sala de aula caracterizada pelo excesso de burocracia, pelo zelo por seu acervo ou por seu espaço físico e pelo tecnicismo exagerado de seus profissionais para se tornar um espaço prazeroso, atraente, dinâmico, de livre acesso à leitura e ao conhecimento, voltado principalmente para a produção cultural.

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Cultura e Biblioteca Escolar

 

Existem várias definições para o termo cultura. Uma delas bastante simplificada, é a do antropólogo inglês Edward Burnett Tylor (1871), no qual “Cultura é o complexo no qual estão incluídos conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes e quaisquer outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade”. Wikipédia(2006), a enciclopédia livre define que,

 

“cultura (do latim cultura) , cultivar o solo, cuidar) é um termo com várias acepções, em diferentes níveis de profundidade e diferentes especificidades. Na filosofia, cultura é um conjunto de manifestações humanas que contrastam com a natureza ou comportamento natural. No dia-a-dia das sociedades civilizadas, especialmente a sociedade ocidental, cultura costuma ser associada à aquisição de conhecimentos e práticas de vida, reconhecidas como melhores superiores, ou seja, erudição; este sentido normalmente se associa ao que é também descrito como “alta cultura”, e é empregado apenas no singular (não existem culturas, apenas uma cultura ideal, à qual os homens indistintamente devem se enquadrar)”.

  

O conceito de cultura, na antropologia, consiste no total de padrões aprendidos e desenvolvidos pelo ser humano. Portanto corresponde, neste último sentido, às formas de organização de um povo, seus costumes e tradições transmitidas de geração para geração que, a partir de uma vivência e tradição comuns, apresentam-se como a identidade desse povo Burnett (1871) salienta que cultura é também um mecanismo cumulativo, na medida em que são incluídas as modificações trazidas por uma geração e em que são passadas à geração seguinte, de modo que a cultura transforma-se, perdendo e incorporando aspectos mais adequados à sobrevivência e reduzindo o esforço das novas gerações.        . O uso de abstração é uma característica do que é cultura: os elementos culturais só existem na mente das pessoas, em seus símbolos, tais como padrões artísticos e mitos.

 

Da Matta (1986), em seu trabalho de sociologia interpretativa, diz que

 

cultura não é um código que se escolhe simplesmente. É algo que está dentro e fora de cada um de nós”. Fazendo-se uma analogia as regras de um jogo de futebol e também com a ação de cada jogador, juiz, bandeirinha e torcida, as regras impostas pela partida de futebol formam  a cultura do futebol, que é assimilada pelo povo através de gerações e  que sofre algum tipo de adaptação para se adequar a presente realidade vivida. Se a cultura é algo que está dentro e ao mesmo tempo fora de cada individuo, a ação cultural deverá reunir condições necessárias para que nós possamos exteriorizar nossos conhecimentos, nossas experiências trazidas do meio em que vivemos, através de ações lúdicas, artísticas”.

 

Partindo desse pressuposto, propomos uma biblioteca escolar aberta, dinâmica, trazendo experiências culturais para dentro de seu espaço físico e utilizando-as, estratégicamente, na disseminação do conhecimento. Através da ação cultural, a biblioteca estará formando um acervo cultural, não somente com materiais já existentes, mas também com materiais produzidos pelo próprio usuário.

 

Coelho Neto(1988) cita o teórico francês Fancis Jeason a respeito de ação cultural,

[...] um processo de ação cultural resume-se na criação ou organização necessárias para que as pessoas inventem seus próprios fins e se tornem assim sujeitos – sujeitos da cultura, não seus objetos.

 

Através de uma revisão de literatura na área de ação cultural, iremos abordar de forma teórica o assunto em questão com a finalidade de se compreender o fenômeno e inseri-lo dentro de nossa proposta.

Victor Flusser (1983), em seu trabalho “A biblioteca como instrumento de ação cultural”, faz a distinção entre cultura, ação cultural e animação cultural, enquanto Cabral (1988), trabalha a questão da ação cultural como uma possibilidade através da qual o bibliotecário possa estar explorando e diversificando o seu campo de atuação, que pode ser em bibliotecas tanto escolares ou públicas, quanto em centros comunitários e culturais. A respeito da cultura, Flusser (1983) diz haver dois entendimentos, podendo consistir em coisas feitas pelo homem, ou na própria visão de mundo do homen através de suas práticas sociais individuais. Também há duas maneiras de se receber a cultura, a acumulativa e a estática. Na primeira, o individúo recebe toda a carga de informação  sem tentar modificá-la, é uma prática muito comum usada nas escolas e bibliotecas, ou seja, emitir a informação para que o individúo a receba e a reproduza de maneira fiel. A outra maneira de se receber a cultura, segundo Flusser, seria a acumulativa porém dinâmica, pois neste caso se pode reelaborar tudo o que se recebe a partir da reorganização, de acordo com o entendimento próprio.

 A proprosta de se trabalhar a cultura em forma de ação dentro da biblioteca escolar, de maneira dinâmica, ativa e lúdica pela qual o usuário não só receba a ação passivamente, mas também dê a sua contribuição no processo devolvendo para o meio produtos de sua criação se firma dentro da pespectiva de Flusser (1983), sobre a ação cultural que diz:

 

[...] ação cultural na biblioteca, é a transmissão de cultura com uma injeção política, para que o usuário receba a informação de maneira ativa, tendo a possibilidade de modificá-la [...] é caracterizada pela constante superposição das relações interhumanas e objetivas, sendo preciso à intervenção do agente cultural para estar sempre diante do problema, sintetizando, assim, os dois termos da equação cultural: acervo e contexto cultural.

 

 Na prática da ação cultural, a animação é aquela prática política de uma profissão, não passa de uma atividade com a finalidade de divertir o público e promover formas alienantes de lazer. Na animação cultural, o agente é o sujeito que cria e conduz, é o ator principal de todo o processo, tratando-se do oposto da ação cultural, que busca o auto-aperfeiçoamento dos sujeitos envolvidos, praticando a arte de caráter libertador e acima de tudo questionador. Para que isso aconteça, é necessário que sejam decodificados, os discursos existentes sobre a política cultural, política que engloba a ação da biblioteca. As necessidades culturais do ser humano determinam-se através da educação, da publicidade e dos meios de comunicação de massa. O ser humano, nesse caso, é visto não como participante, mas como consumidor. Segundo Flusser (1983), “isso é um reflexo da lei da oferta e da procura, ou seja, é uma posição comercial diante do objeto cultural”.

 

Cabral ao citar Coelho Neto (1988) nos chama atenção também para o termo “fabricação cultural”, como um processo cujos princípios, meio e fim são pré-determinados e distribuídos em etapas planejadas, que visa ter como produto um objeto. Nele o agente cultural é o sujeito do processo e determina as ações, não havendo espaço de criação para os sujeitos envolvidos, opondo-se dessa forma, a “ação cultural” que por sua vez, interessa tão somente pelo desenvolvimento da subjetividade humana e pelo auto-aperfeiçoamento dos sujeitos.

 

3. Biblioteca Escolar e Ação Cultural

 

Através da ação cultural, a biblioteca irá incentivar seu usuário a estar constantemente questionando sobre as informações que está recebendo, refletindo sobre o que é melhor para si mesmo e para o meio que o circunda e sobre a possibilidade de modificações. Flusser(1983) afirma ainda que a ação cultural seria a transmissão da cultura juntamente com uma “injeção” de pensamento político, para que o usuário ao recebê-la de maneira ativa e não estática, sinta a necessidade de modificá-la.  A ação cultural na bilbioteca, segundo Cabral (1988), deve tomar como ponto de partida a realidade e as vivências individuais e coletivas dos sujeitos que estão envolvidos no processo, buscando uma estreita ligação com o meio ambiente, onde se desenvlovem essas ações.

 

Mas entendemos que, para que isso aconteça, precisamos também conhecer o tipo de cultura que os usuários da biblioteca vivenciam dentro de sua comunidade. Nesse caso, a biblioteca escolar, objeto deste estudo, está situada em uma comunidade carente conhecida como o Morro da Fonte Grande, localizado no centro de Vitória – ES. As condições de vida dessa comunidade apontam para uma realidade conflitante dentro de uma determinada situação social e econômica. Essas condições sócio-econômicas são determinantes para surgimento e agravamento de problemas nas várias dimensões da vida dos grupos populares: saúde, saneamento, educação, transporte etc. As condições de vida referem-se, então, ao campo de ação em que os atores se movem e atuam, através da busca de formas alternativas de enfrentamento destes problemas e através de suas determinações. Considerada uma das regiões mais mal-afamadas da grande Vitória, é palco de dramas que refletem a intensidade essencial da experiência cultural de seus moradores, que buscam - na quadra de sua escola de samba local, no Grêmio Recreativo “Unidos da Fonte Grande”, nas rodas de capoeiras, nos seus bailes funk, e, também, nos seus movimentos comunitários, seja através de parcerias com pessoas ou instituições que abraçam as causas da comunidade visando melhorias, desenvolvendo bons projetos sociais e culturais como os artesanatos com materiais reciclados entre outras - formas de se auto-afirmarem como partes integrantes da sociedade, embora muitas vezes excluídos ou marginalizados. Essa busca constante é comum em grande parte dos espaços comunitários.

 

A cultura do Morro da Fonte Grande é na verdade, um aparelho de interpretação e definição de uma realidade social cruel e violenta, magicamente transformada em festiva no intuito de se amenizar um pouco o sofrimento e o abandono. Aí, a produção cultural, ao invés de ser um objeto natural é resultante da expressão espontânea vivenciada pela própria comunidade local. Ao se considerar as experiências vividas por membros dessa comunidade, surgem a preocupação, também, para uma determinada forma de apropriação dessa realidade, além das possibilidades de se estar inferindo de maneira positiva sobre ela. Nessas possibilidades estão as múltiplas experiências, vivenciadas em grupos de discussões, que permitem assim conhecer seu percurso histórico, seu universo cotidiano, valores culturais e visão de mundo. De maneira alguma estar-se - á sugerindo o aculturamento ideológico dos usuários da biblioteca escolar e, principalmente, o de sua comunidade, mas sim desenvolver ações culturais, através das quais o indivíduo possa explorar seu potencial de criatividade e imaginação, expressando livremente a sua cultura, tudo partindo desse universo cotidiano vivido por eles.

 

Segundo Paulo Freire, (1999, p.107)

 

“[...] devemos nos familiarizar com a sintaxe, com a semântica dos grupos populares, entender como fazem eles sua leitura do mundo, perceber suas “manhas” indispensáveis à cultura de resistência que se vai constituindo e sem a qual não podem defender-se da violência a que estão submetidos”.

 

 Entender o sentido e o significado das festas no corpo da cultura de “resistência do morro” dessa comunidade, sentir sua religiosidade de forma respeitosa, numa perspectiva dialética e não apenas como uma expressão pura de sua alienação, além de respeitá-la como direito seu é, portanto, uma relação de autonomia cultural. A proposta aqui sugerida, de modo algum tende a eliminar a individualidade dos usuários, nem tampouco instruí-los a um outro tipo de cultura que não seja condizente com suas realidades, mas sim fortalecer a cultura local, partindo da disponibilidade de suportes que a biblioteca escolar irá fornecer.

 

Dentre os diversos suportes requeridos para o exercício de uma ação cultural efetiva, devem existir tanto os bens materiais sugeridos por Cabral (1988) que são os códigos visuais (lâminas, fotografias), os códigos auditivos (musicalização), os códigos audiovisuais (cinema, televisão, vídeo) e os códigos vivenciais (dinâmica de grupos, jogos, comunicação, informação), como também o exercício de cidadania, o usufruto dos bens espirituais como a compaixão, a solidariedade e o respeito mútuo pelo próximo, que também dão sustentação à ação propriamente dita. Nesta perspectiva, os objetos culturais são tomados como descrição do vivido (Amatuzzi, 1996). E o termo cultural é reconduzido ao seu significado profundo, constituído pelas mentalidades, pela forma de orientação, pelas expressões e pelos produtos próprios do usuário da biblioteca escolar, influenciado pelo meio em que vive.

 

Conhecendo um pouco o meio social que circunda a biblioteca escolar e verificando que esse meio pertence a uma área de risco social, como é o caso da comunidade do Morro da Fonte Grande, a biblioteca deverá estabelecer uma estreita ligação junto à comunidade local, para assim poder estender suas ações culturais também ao não público, democratizando a cultura e o conhecimento através de trocas de experiências com esse meio, e permeando por todos os tipos de linguagem que vão da oralidade aos meios de comunicação de massa. Mas para que esta proposta de ação cultural possa se concretizar de fato será preciso uma mudança de postura por parte do profissional bibliotecário que está à frente da biblioteca escolar. É preciso que ele esteja motivado a romper com o tradicionalismo da biblioteca escolar, para promover o que chamaria Flusser (19983) de uma ação cultural “libertadora”. O bibliotecário não precisa ser um animador cultural para estar promovendo atividades culturais dentro da biblioteca, mas deverá reunir meio e suportes materiais e físicos para que essa ação aconteça e criar condições para estimular o seu usuário a estar decodificando o tipo de informação recebida, pois, dessa forma, ele passará a produzir novos conhecimentos, que serão incorporados como parte natural do acervo da biblioteca escolar, constituindo, assim, essa proposta de biblioteca para uma ação cultural libertadora.

 

Flusser (1982), afirma que para a biblioteca exercer uma ação cultura libertadora, é preciso que a formação do bibliotecário como agente cultural, dê-se basicamente em três eixos complementares: a formação técnica, a humanista e a prática. Com essa formação, o bibliotecário deverá transformar a biblioteca em um instrumento dinâmico e dialógico, para que seu usuário tenha a total liberdade de expressar suas idéias e opiniões. É importante também que esta proposta chegue aos chamados “não-públicos”, pessoas que vivem às margens da informação e da cultura hegemônica e não sabem utilizar ou têm dificuldade em utilizar os recursos informacionais disponíveis nos sistemas de informação e que precisam, portanto, ser iniciadas às regras destes. Há, assim, um isolamento entre o usuário (público efetivo) e os não-usuários (público potencial). E segundo Flusser (1982), é necessário romper com esse isolamento, pois a cultura do não-público é a cultura do silêncio, e a proposta da ação cultural na biblioteca é também superar a cultura do silêncio através de uma transformação radical. É preciso usar de estratégia para estar divulgando esta proposta, incentivando e promovendo atividades de extensão cultural que sejam centradas na concepção de serviços e produtos voltados para a comunidade, em particular os cidadãos com algum tipo de incapacidade ou excluídos economicamente, para que aí possam ter a oportunidade de participar do processo de inclusão cultural, pelo quais todos, sem discriminação, usufruam de uma biblioteca ativa, dinâmica e atuante. Porque a democratização da sociedade passa pela possibilidade dos vários setores da população ter acesso aos meios de comunicação, informação e cultura, de caráter mais amplo.

 

4. METODOLOGIA

 

Com o objetivo de propor para a biblioteca escolar uma ação cultural na prática, no sentido de dinamizar a mediação da informação e do conhecimento e, a partir dos pressupostos teóricos aqui colocados, é que nos propusemos a realizar uma pesquisa junto aos alunos da 4ª. A 8ª séries do ensino fundamental da Escola municipal Anacleta Shineider Lucas situada no Morro da Fonte Grande, para identificar uma programação que contemple elementos ou manifestações culturais que estejam ajustados aos interesses do público e do não-público. Acreditando que a constituição do sujeito de cultura se dá desde o momento da programação das atividades culturais - que obviamente serão direcionadas para uma efetiva ação cultural – foi trazida a proposta dessa programação para o ambiente da Biblioteca Escolar, no sentido de reafirmar que esse espaço é o lugar ideal para se promover ação cultural, no sentido pleno do conceito aqui colocado, com o fim de estabelecer laços interculturais e possibilidades de reapropriação ou criação por parte desses sujeitos que produzem e são produzidos pela cultura.   

 

4.1. Tipo de pesquisa

           

A pesquisa realizada teve uma finalidade descritiva, através da qual foram coletadas opiniões de um grupo de alunos de uma comunidade escolar, com o objetivo de verificar suas opiniões sobre a possibilidade da biblioteca escolar estar promovendo algum tipo de atividade cultural; sobre atividades, citadas pelo questionário (em anexo), que mais lhes agradariam por ordem de preferência, e, por último, sobre a ocorrência ou não do desenvolvimento, de atividades fora do espaço físico da biblioteca e os lugares de preferência para tais atividades.

 

4.2. Método

 

O método utilizado foi o estudo de caso, que segundo Gil (1999), “trata-se de um exaustivo estudo de apenas um objeto de pesquisa, que permitirá um conhecimento mais amplo do objeto estudado, assim como sua aplicabilidade”. Nesse caso, o objeto de pesquisa foi à ação cultural voltada para a prática da biblioteca escolar, delineando pontos importantes desse objeto, partindo do seu entendimento teórico até a prática do fenômeno estudado, para o apuramento de dados.

 

4.3. Instrumento de coleta de dados

 

Para estudar o caso, foi feita uma pesquisa com alunos de 4ª a 8ª séries do ensino fundamental de uma escola da rede municipal de Vitória, por se entender ser este público mais esclarecido que as séries iniciais, de 1ª a 3ª séries. E oinstrumento de coleta de dados utilizado foi um questionário, com questões relacionadas ao tema proposto. O planejamento deste questionário foi baseado nas necessidades observadas junto à biblioteca e seus usuários ao longo de dois anos, no exercício da função de estagiários dessa unidade de informação, e mais algumas sugestões de questões pertinentes ao objeto de estudo. O questionário foi composto de três questões, sendo que a segunda questão possuiu sugestões de sete atividades culturais, sobre as quais o usuário pode opinar seu gosto em ordem de sua preferência, além de sugerir outras atividades que gostaria, com o objetivo de se verificar quais as atividades que poderiam ser mais bem aceitas pelo público e pelo não-público da biblioteca escolar.

 

 4.4. Amostra

           

A amostra da pesquisa foi composta a partir de um universo de aproximadamente quatrocentos alunos, dispostos em dez turmas divididas em dois turnos, matutino e vespertino, das quais foi retirado, de forma aleatória, um percentual de vinte e cinco por cento (25%) do total de alunos da 4ª a 8ª séries do ensino fundamental, contabilizando-se cem (100) alunos.

 

             5. ANÁLISE DOS DADOS

 

A partir da revisão de literatura acima, verificou-se que, apesar de o objeto de estudo estar bem definido, não existe uma vasta literatura a respeito do mesmo, mas como o assunto é pouco explorado, esse conhecimento vale em outras situações de pesquisas, ainda não exploradas empiricamente, daí a pertinência do estudo de caso. Assim, essa revisão nos ajudou no trabalho de construção do objeto estudado, facilitando a descoberta de dimensões não conhecidas do problema.

 

A coleta de dados a partir da aplicação do questionário foi determinante para medir o grau de conhecimento dos usuários da biblioteca e a própria aceitação sobre a proposta da pesquisa. Os cem (100) questionários (25% do total de alunos dessas séries) foram aplicados aos alunos da amostra, dentro de suas respectivas salas de aulas e na biblioteca, com o auxílio do bibliotecário e do professor. Os resultados obtidos passaram a ser explanados. 

 

Na primeira questão, perguntados se gostariam que sua biblioteca escolar passasse a promover algum tipo de atividade cultural e o porquê gostariam, os alunos, nos proporcionaram a coleta dos seguintes dados:

1) Dos 100 alunos que responderam oitenta por cento (80%) o fizeram afirmativamente e resgatou-se a seguinte fala, significativa: [“... Atividades culturais na biblioteca além de serem muito prazerosas e divertidas, contribuiriam também para o aprendizado”.]

2) Dezenove por cento (19%) também concordaram com a proposta, mas não opinaram a respeito; apenas 1% não concordou, pois acha que a biblioteca está bem da forma que hoje funciona.

A segunda questão que induziu o aluno a responder em ordem de sua preferência, quais das atividades citadas pela pesquisa mais lhes agradariam, podendo também sugerir outras, obteve-se o resultado na seguinte ordem:

 

ATIVIDADES CULTURAIS

%

1º. Teatro de Fantoches

28%

2º. Oficinas de Arte

18,2%

3º. Musicalização

14%

4º. Sarau de Poesias

11,4%

5º. Produção Literária

9,6%

6º. A hora do Conto

8,5%

7º. Apresentação e Discussão de vídeos (filmes e documentários)

6,7%

8º. Outras citadas

3,6%

TOTAL

100%

 

O resultado apresentado não surpreende pelo fato de tais atividades como teatro de fantoches (28%) e oficinas de artes (18%), serem atividades muito comuns no cotidiano escolar. A musicalização aparece bem colocada na terceira posição, apesar de ser uma prática pouco comum nas escolas da rede municipal de Vitória, pois uma reivindicação que os alunos fazem é a de se ter atividades relacionadas à música em seu currículo escolar. A oitava opção foi bem requisitada pelos alunos, que deram as mais variadas sugestões de atividade culturais que poderiam ser incorporadas na proposta. Entre as sugestões mais solicitadas temos jogos educativos, dinâmicas culturais, olimpíadas de conhecimento e a mais requisitada, com 53% das sugestões é a grafitagem ou grafitismo, que consiste na expressão livre da arte praticada nos guetos ou nas ruas das periferias urbanas.

 

Na terceira questão, os alunos foram perguntados se a biblioteca poderia estar levando atividades culturais para outros lugares fora de seu espaço físico, pedindo opinião sobre possíveis lugares para essas atividades. Obteve-se as seguintes respostas:  99% acharam que a Biblioteca deve promover atividades culturais em outros lugares, porque a mesma não disponibiliza um espaço adequado para atividades que comportem muitas pessoas, e apenas 1% preferem sua biblioteca do jeito que está. Quanto aos lugares sugeridos, temos:

 

·        Quadra da escola;

·        Pátio da Escola;

·        Outras escolas (públicas ou privadas);

·        Teatro de dança FAFI;

·        Associação de moradores do morro da Fonte Grande;

·        Visitas culturais e educativas (Parque da Ciência, Parque Moscoso, Horto de Maruípe, Pedra da Cebola, e Museus);

·        Visitas a outras Bibliotecas (escolares públicas municipais e estadual); e

·        Atividades dentro das salas de aula.

 

5.1 Análise das atividades culturais sugeridas

 

As atividades culturais sugeridas no questionário, juntamente com as atividades também sugeridas pelos alunos, são propostas viáveis e que podem ser aplicadas tanto dentro da biblioteca, como em outros espaços. Pelo que se conhece dos suportes materiais da biblioteca e de seu espaço físico, ela disponibiliza um bom acervo, com os mais variados títulos para se estar realizando produções literárias, sarau de poesias e a hora do conto. Possui um televisor e um aparelho de DVD que poderiam ser usados para apresentações e discussões de matérias relacionadas a vários temas culturais. Há vários fantoches e uma sala de arte ao lado da biblioteca para realizar as oficinas em parceria com o professor de arte e literatura.

 

A biblioteca também poderia identificar outros lugares, onde seria possível desenvolver atividades culturais que necessitem de maiores espaços e até mesmo para levar o usuário a estar adquirindo novas experiências, conhecimentos e informações. Além da quadra e do pátio da escola, a biblioteca poderia levar seus usuários aos passeios educativos sugeridos pelos alunos, tais como Biblioteca da Fafi[1], visitas aos parques municipal e estadual, museus e outras bibliotecas escolares, públicas ou privadas.

 

A grafitagem que foi uma sugestão tão requisitada pelos alunos, está presente no movimento comunitário do morro da Fonte Grande, como uma atividade difundida por artistas plásticos. São projetos sociais, através dos quais são oferecidos, gratuitamente, cursos e oficinas de arte para crianças, jovens e adultos interessados nesse tipo de arte.

 

 Aprofundando um pouco mais no assunto, descobriu-se que a palavra grafite é de origem italiana e significa "escritas feitas com carvão". Os antigos romanos tinham o costume de escrever manifestações de protesto com carvão nas paredes de suas construções. Tratava-se de palavras proféticas, ordens comuns e outras formas de divulgação de leis e acontecimentos públicos. Alguns desses grafites ainda podem ser vistos nas catacumbas de Roma e em outros sítios arqueológicos espalhados pela Itália. O estilo grafite como manifestação artística ou até mesmo como forma de protesto, surge em Nova Iorque no final dos anos 80, inicialmente desenhado nos metrôs. Antes disso, já existiam as pichações ideológicas dos estudantes franceses, isso por volta de maio de 68. No entanto, é certo que, do fim dos anos 60 ao fim dos anos 70, houve mudança na condição juvenil, e essa mudança talvez seja a causa do esvaziamento ideológico pelo qual passaram as primeiras pichações até a constituição do grafite. Sempre que se fala em grafite, para os leigos no assunto, vem a idéia de pichação. Para desfazer esse equívoco, já que muitas pessoas também vêem os trabalhos dos grafiteiros apenas como um amontoado de letras rabiscadas e sem nexo, ou como pura poluição visual e ato de vandalismo contra o patrimônio público, recorremos à ajuda de alguns especialistas da área, e um deles é Décio Pignatari, um dos fundadores do concretismo que escreveu um brilhante artigo intitulado como Semioticidade. Pignatari (1995) faz a seguinte citação a respeito de pichação e do grafite,

 

“... a pichação é muito mais impulso, costuma ser feita e pensada no calor do momento. Já um grafite, normalmente, passa por um longo processo de desenvolvimento nos cadernos (todo grafiteiro tem o seu) antes de ir para ummuro. Como elementos de linguagem, ambos são efeitos de uma tendência do código (língua) para tornar-se cada vez mais sintético”.

 

A arte do grafite trata-se de uma rica cultura ou "spraycanart" (arte da lata de spray) e é considerada como sendo “cultura de rua”. Os grafiteiros, por sua vez, expressam sua forma de ver o mundo através da pintura, usando várias técnicas de pintura que se desenvolveram com o tempo. Dentre elas, destacam-se o "Grafite Hip Hop" que usa letras e personagens caricatas em seus desenhos, com preferência para tinta spray e o "Grafite Acadêmico", que utiliza técnicas dos murais e a tinta látex. Esta última é composta por alunos de escolas de arte que não possuem nenhum vínculo com o movimento Hip Hop. Silveira Junior (1991) em sua dissertação de mestrado nos lembra que o grafite vem acompanhando a evolução do homem, visto que a arte de desenhar em muros sempre esteve presente.

 

 Hoje, apesar de não ser diferente, o grafite é considerado muitas vezes uma pichação (ato de escrever em um muro por vandalismo), não sendo valorizado como arte. Sem legitimidade


Publicado por: Jair Rosário Filho

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