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Os sentidos dos guardadores de carros

Os sentidos dos guardadores de carros nos estacionamentos públicos urbanos, a figura de guardadores de carros tornou-se uma constante, a contradição entre o uso do bem público e o pagamento por esse uso, estacionamentos públicos urbanos da cidade de Cácer

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Jose DIAS ALVES
Acadêmico de Letras e Bolsista voluntário
Neuza Benedita da Silva ZATTAR
Orientadora – UNEMAT – CÁCERES


A escolha deste tema surgiu das observações da presença de crianças, jovens e adultos nos estacionamentos públicos urbanos da cidade de Cáceres-MT, principalmente no período noturno e nos finais de semana, quando essas pessoas, ao se aproximarem dos motoristas de veículos, se identificam como guardadores de carros, com o objetivo de ganhar alguma vantagem monetária.

Com o aumento de carros na cidade, a figura de guardadores de carros tornou-se uma constante, cuja atividade, que se circunscrevia às praças, deslocou-se e hoje podemos encontrá-la nas ruas onde se encontram localizados os restaurantes e clubes. Ou melhor, a partir do aumento de carros nos estacionamentos das praças públicas, começam a surgir “os guardadores de carros”, pessoas que se dispõem a “cuidar de veículos” quando estacionados na praça ou na calçada, e para isso pedem determinada quantia ou deixam a critério dos usuários.

O que chama a atenção nessa atividade de rua é a contradição entre o uso do bem público e o pagamento por esse uso, o que causa uma tensão entre o dono do veículo e o guardador de carros.

É sobre o direito do cidadão aos bens públicos, que focamos a figura dos guardadores de carros em atividades de cobrança pelo estacionamento de veículos em espaços públicos urbanos. Trata-se de uma relação que vem gerando conflitos nas relações de conviviabilidade entre essas figuras, de quem tem direito ao espaço e de quem cobra por esse espaço.

Neste trabalho, propomos desenvolver um estudo enunciativo para o qual mobilizamos a concepção de enunciação, acontecimento enunciativo que se dá pelo funcionamento da língua afetada pelo interdiscurso (GUIMARÃES, 1995, p. 99) e de enunciado, “uma unidade discursiva ou um elemento de prática social que inclui na sua definição, uma relação com o sujeito...” (Idem), observando que sentidos são atribuídos aos guardadores de carros pelos proprietários de veículos e pelo órgão municipal que fiscaliza a atividade dos guardadores nos estacionamentos públicos urbanos, e que sentidos são postos pelos guardadores de carros nas diferentes relações que estabelecem com a cidade.

Para o desenvolvimento da análise, utilizamos gravações feitas com os guardadores de carro nos espaços da Praça Barão do Rio Branco, com os proprietários de veículos que utilizam os espaços demarcados pelos guardadores, e do órgão da prefeitura municipal.
Nas entrevistas com os guardadores de carros, podemos observar que eles realizam essa atividade pelo fato de estarem desempregados na cidade.

A cidade de Cáceres, embora seja uma cidade universitária, não dispõe de indústrias, fábricas ou grandes empresas, o que acomoda o poder público a não definir uma política de geração de empregos, e, portanto, a não oferecer alternativas de emprego, principalmente para aquelas pessoas que não têm nenhuma qualificação, uma vez que são de classe menos favorecida, e muitas vezes têm que deixar os estudos para ajudar no orçamento familiar.

Vejamos as entrevistas:

1. É porque tô desempregado... o que tiver pra mim fazer eu faço... não gosto não, ... gosto de ter uma coisa de serviço fixo, mas não tem. Não é lucrativo, é devagar, mas tá me servindo... (Entrevistado 1). (grifos meus)

2. Rapaz vô falar pro cê... não é muito bom entendeu? pra homem ficar nesse jeito né, nessa futilidade né, mas a gente prefere pedi a cuidar carros, que roubar e matar e caí na cadeia, entendeu? Quem tem família sabe o que faz né, no meu caso tenho um casal de filhos... a gente tava sem serviço entendeu? Geralmente quem faz essa atividade é quem passa dificuldade, quem tem família, quem vem de fora... e não é lucrativo, dá pra sobreviver.
(Entrevistado 2). (grifos meus)

3. “É porque tô desempregado [...] sou viciado em droga e alcoólatra... depois com o tempo deixei a droga e fiquei no álcool [...] não gosto de ficar assim, gosto de ter uma coisa de serviço fixo, mas não tem [...] não é lucrativo, é devagar mas tá me ajudando certo? [...]. (Entrevistado 3) (grifos meus)

Podemos perceber nas entrevistas que é geral a reclamação da falta de emprego, pois compreende-se que o desemprego os leva a esse tipo de atividade.
Reclamam, ainda, do valor recebido ou não pelo “serviço” que prestam aos proprietários de veículos. Quando dizem que o trabalho “não é lucrativo”, afirmam que não podem estabelecer um valor fixo, uma vez que têm plena consciência de que se trata de um espaço público, pertencente a todos. Afirmam também que “não gostam do que fazem”, mas como não têm emprego fixo, vão “levando a vida”. Deixam claro que esse não gostar do que fazem é ao mesmo tempo uma reivindicação para uma melhoria de vida e que de certa forma há algo que os prende ali, como por exemplo, a família, ou seja, a necessidade de sobreviver, de sustentar a família.

Dois dos entrevistados dizem que a atividade que realizam “não é lucrativa, é devagar, mas tá me servindo”. Ou seja, enquanto não conseguirem um trabalho fixo, vão continuar fazendo o que fazem.
É possível perceber que o segundo entrevistado prefere esse tipo de atividade a roubar, a matar e ficar na cadeia. O último, um ex-drogado, diz que deixou a droga, mas ainda é dependente de álcool, e pretende permanecer nesse trabalho.

Nenhum deles preocupa-se com a legalidade do trabalho ou criar uma associação que cuide de seus interesses.

No enunciado “É porque tô desempregado”, a conjunção “porque” está significando uma relação de causa/efeito, ou seja, a causa é o desemprego e o efeito é estar exercendo uma atividade ilegal.

O segundo entrevistado ao dizer “Rapaz vô falar pro cê... não é muito bom entendeu?”, usou uma linguagem fática, com o objetivo de prolongar o contato com o interlocutor.
No enunciado “Quem tem família sabe o que faz né, no meu caso tenho um casal de filhos...”, há marcas da linguagem metalingüística, quando o entrevistado procura explicar através de sua posição como pai e chefe de família o motivo de estar exercendo essa atividade.

Nos recortes que seguem, os guardadores buscam justificar a permanência nessa atividade, mesmo não gostando de exercê-la, ou seja, procuram mostrar que eles são “humanos” e de que também como qualquer outro precisam se alimentar, embora exerçam uma atividade que aos olhos de muitos incomodam.

4. [...] eu não gostaria não, porque eu queria arrumá um emprego pra mim trabaiá, isso aqui pra mim é um “quebra gaio”, eu tô sem fazer nada... não vô roubá, vou é tentar a vida, se eu fô pedi não dá, se fô roubá vou preso, vou tentá minha vida, num vô fazer coisa errada. (Entrevistado 1). (grifos meus)

5. [...] se não tiver serviço a gente fica até a hora da morte, entendeu? Porque a gente tem família, a gente não vai roubá, entendeu? Pra manter as crianças da gente... a gente tem que trabalhar honestamente, entendeu? Civilizado e tranquilamente. (Entrevistado 2). (grifos meus)

6. [...] rapaz, eu não gostaria não, mas eu não vou roubá, vou ficar aqui até alguém olhá por nós, eu tenho que comer e beber, certo? (Entrevistado 3). (grifos meus)

Podemos perceber nas entrevistas (textos 4 e 5) que as figuras da enunciação, representadas pelos guardadores de carros, projeta-se um outro trabalho, ou seja, gostariam de trabalhar em um serviço “digno”, em que não ficasse exposto ao ridículo.
Vamos analisar os sentidos atribuídos aos guardadores de carros pelos proprietários dos veículos, que utilizam os estacionamentos, na relação de cobrança pelo uso do estacionamento que é público.

7. Todas as vezes que eu venho estacionar aqui eu sou abordado, e a minha reação é de indignação, até porque eu acredito numa praça pública não há a necessidade de guardadores, porque são pessoas que vem pro seu lazer [...] eu me sinto incomodado porque sou obrigado a disponibilizar de algum recurso, para que não haja nenhuma ação predatória em cima do veiculo ou até mesmo algum tipo de agressão verbal ou moral que possa acontecer. Eles não impõem taxa, mas ficam chateados quando é um valor insignificante. (Entrevistado 1). (grifos meus)

8. Há [...] não é muito agradável porque a gente mal encosta o carro o pessoal já vem e na hora de sair a gente colabora quando sobra, quando não sobra eles ficam irritados que a gente não deu nada, como se a gente tivesse a obrigação de dar alguma coisa. Pra mim eles ainda não impuseram taxa, [...] mas que eles ficam irritados sinalizando quando é um valor pequeno. (Entrevistado 2). (grifos meus)

9. Já fui abordado por esses guardadores, qualquer um que chega aqui é abordado, [...] a gente fica naquela de... sabe se eles estão fazendo isso muitas das vezes né, não é porque eles querem, é que de certa forma não arruma outra ocupação pra conseguir algum dinheiro e eles acabam fazendo isso... e como são pessoas que não têm certo conhecimento muitas vezes acaba usando da forma mais grossa que eles têm pra tentar intimidar você, pra você aceitar que eles cuidem de seu carro, né. Comigo eles não colocaram um valor... mas você sempre fica sempre naquela coisa se você não deixar eles podem vim e riscar o carro e fazer alguma coisa, porque geralmente é o que acontece se você não deixa eles cuidar, né, ou se na hora que você vai embora você pode ter algum problema... e se você não dá algum valor ou quantia a eles, eles ficam chateados te provoca. (Entrevistado 3). (grifos meus)


Podemos verificar nas entrevistas que os usuários se vêem em situação de constrangimento quando são abordados pelos guardadores que se aproximam no momento em que estacionam os veículos. Isso fica demonstrado pelos dizeres: “e a minha reação é de indignação”, “não é muito agradável porque a gente mal encosta o carro o pessoal já vem”.

Os usuários aceitam a intervenção dos guardadores para se sentir à vontade, para que não ocorra nenhum tipo de depredação com o veículo.
No momento de retornar ao veículo, os guardadores aproximam e ficam aguardando uma recompensa monetária pelos “serviços prestados”. Nesse momento, ocorre entre o locutor e o alocutário uma relação comercial.
Concluindo, podemos dizer que os sentidos postos pelos proprietários de veículos aos guardadores de carros é de que ficam chateados quando recebem um valor insignificante pelo “serviço”, se irritam quando não lhe dão atenção, e como "não têm certo conhecimento”, intimidam os motoristas.

Entendemos pelo que foi falado, que a presença dos guardadores nos estacionamento públicos incomoda e que até o no momento o poder público não fez nenhuma intervenção para solucionar essa tensão que cresce na relação entre quem cobra e quem paga pelo espaço que é público.


Publicado por: Jose Dias Alves

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.