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A polícia cidadã e a sociedade

A questão da segurança pública deixa a desejar ou é participativa?

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Um dos problemas mais afligente do Brasil de hoje é sem sombras de dúvidas, a questão da Segurança Pública que deixa a desejar no seu preceito constitucional.

Durante muito tempo a problemática da Segurança Pública foi vista apenas como questão dos Estados, das Polícias. Pouca participação e interferência do Governo Federal e nenhuma participação da sociedade.

Agora que a “epidemia” da insegurança se alastrou por todo o Brasil a própria sociedade se mostra preocupada com o problema e até já comunga com o preceito constitucional de que a Segurança Publica é responsabilidade de todos, contudo, os conceitos antigos sobre a Polícia atrapalham e emperram essa interação entre os segmentos que se faz necessária.

Vários fatores contribuem para o aumento desenfreado da violência e criminalidade que traduz a crescente sensação de insegurança existente, contudo, o ponto nefrálgico de ataque em geral, é sempre a Polícia como se ela pudesse ser onipotente e onipresente para constantemente evitar crimes.

Vale registrar o que asseverou o colega Delegado de Policia do Distrito Federal, WILMAR COSTA BRAGA no seu artigo pertinente à Segurança Pública: “Parece ser a Polícia o único órgão responsável pela segurança, mas não é. Apenas tem a função mais árdua de todos os outros, porque atua na garimpagem de criminosos e na execução das Leis, a fim de torná-las efetivas ao exigir o cumprimento das regras sociais e solucionar os seus conflitos. Daí a preocupação que deve ter o dirigente de um órgão policial com o perfil, com a remuneração, com o preparo técnico e operacional, com a coibição dos desvios de conduta, em face da vulnerabilidade com a criminalidade e com o risco de vida.”

É comum ainda ouvirmos e constatarmos verdadeiros absurdos e acusações descabidas às Instituições Policiais por parte de diversos segmentos da Sociedade. Parece ser tradição enraizada do povo em generalizar que a Polícia é ineficiente, corrupta e corruptível, que todo Policial é ignorante, arbitrário e irresponsável, quando na verdade, de uma maneira geral, tais entendimentos não passam de pensamentos ilógicos, egocêntricos e insensatos, pois a Polícia também evoluiu com o tempo, não estagnou como continuam em teimar com tais concepções retrogradas.

Hoje existimos com capazes e excelentes profissionais em todos os Órgãos Policiais do país. Temos - em grande maioria - componentes com boa qualidade cultural e nível intelectual adequado possuidores de cursos universitários ou pós-graduados nos diversos ramos da Segurança desempenhando suas funções a contento e trabalhando para o bem estar da coletividade fazendo cumprir as Leis e as obrigações inerentes aos seus cargos.

As ações desastradas e violentas com crimes ou transgressões diversas ocorridos no passado e ainda no presente protagonizado por muitos componentes dos órgãos Policiais trouxeram conseqüências negativas e depreciativas para todos. Tais atributos, com o passar dos tempos, fizeram com que a Polícia ganhasse a pecha de arbitrária e ignorante, enquanto que, falsos Policiais que se afastaram dos seus objetivos precípuos praticando ilícitos penais ou desvios de conduta arrebanharam outros adjetivos pejorativos que infelizmente grudaram feito uma “sanguessuga” e acompanham as classes por gerações sem fim.

A questão da violência policial de outrora que ultrapassou todos os limites do direito do cidadão quando da Ditadura Militar que assolou o país por muito tempo, trouxe conseqüências marcantes e desagradáveis para a Polícia atual.

Nesse sentido há de se registrar o que disse o colega Delegado de Polícia e Professor de Direito, ANDRÉ LUIZ LUENGO, num dos seus artigos publicados: (...) “atingir o direito de liberdade da pessoa humana ficou marcado na época da Ditadura Militar, criando o estigma da expressão polícia-repressão. Repressão como sinônimo das atrocidades que ocorriam nos porões dos departamentos policiais, através das práticas de tortura e até desaparecimento de opositores ao regime do governo ditatorial. A polícia, naquele período, ao invés de ser o órgão de conservação e garantidor da paz e da tranqüilidade pública, na verdade era o braço humano utilizado nessas práticas covardes. (...)

Mesmo agora, vencida a ditadura e instalado o Estado Democrático de Direito, resta ainda às mazelas desta triste impressão que permanece incutida na sociedade. A ditadura não tratou o ser humano com dignidade.

As manchas sujaram toda a história e a estrada a ser palmilhada pelos agentes policiais visando extirpar essa infeliz fase dos anais policiais é árdua e difícil, mas passível de ser vencida. Um dos caminhos é trabalhar alicerçado na máxima: a dignidade do ser humano é direito essencial de todos.”


Ainda nesse mesmo sentido é de bom alvitre observar o entendimento do Advogado militante em Brasília e Mato Grosso, EDUARDO MAHON quando asseverou num dos seus artigos recentemente publicado: (...) “Essa dicotomia, espécie de tatuagem ideológica, nunca mais foi removida na mentalidade brasileira - o bem contra o mal. Minguada, humilhada, submetida, à polícia restaram todas as críticas, as denúncias, as desconfianças, despojos das duas décadas de golpe militar. Um “mal necessário”, cujo cidadão teme, desconhece e quer distancia.”

Com a Constituição de 1988 morreu a polícia ditatorial para nascer e crescer a Polícia cidadã. O instrumento principal que era usado pela polícia da Ditadura Militar, qual seja, a tortura, transformou-se em crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. O método da tortura até então utilizado por aquela antiga polícia que era a imposição de dor física ou psicológica mediante crueldade para obtenção de confissão ou informação foi abolido do dicionário da Polícia cidadã - embora haja exceções à regra que deve haver punição na forma da lei para tais atos covardes e insanos quando ocorrer - para o bem da sociedade e para o próprio bem da Instituição.

Outro problema crônico que influencia diretamente a população brasileira para o continuísmo destas negatividades sobre a Polícia é também a questão apresentada em filmes nacionais, novelas ou seriados em que se mostram situações hilárias, grotescas ou bem aquém da realidade dos nossos profissionais. Policiais Civis ou Militares são apresentados naquelas tramas como se insanos fossem, ou mesmo, vemos também então a figura do Delegado de Polícia sempre ultrapassar todos os limites das Leis com suas ações impensadas e inconseqüentes.

Na verdade os autores ou escritores dessas “estórias” cinematográficas ou televisivas, quase sempre são mal informados ou distorcem as coisas na tentativa de agradar ao público com cenas cômicas ou deseducadas mostrando o irreal da atualidade policial, incutindo em suas tramas que as nossas classes são compostas por pessoas inferiores de baixa cultura, arbitrárias, ignorantes e que sempre se corrompem no desenrolar dos textos apresentados.

Assim, várias culturas foram cultivadas através das eras com todas essas questões pejorativas em desfavor da Polícia. A sociedade teme a Policia ao invés de respeitá-la com aliada. A sociedade repudia a Polícia e dela quer distância.

Referente à cultura do medo bem entende o professor JOSE PASTORE quando assevera no seu artigo intitulado “MEDO DE POLÍCIA” publicado no Jornal da Tarde: “O cultivo e a implementação de medidas de respeito à lei depende muito de uma cooperação entre os cidadãos e a polícia. Na verdade, a eficiência do trabalho da polícia está intimamente ligada ao bom relacionamento entre cidadãos e policiais. Os estudiosos da sociologia criminal chamam essa interação da “co-produção dos serviços policiais”, querendo com isso chamar a atenção para a relação simbiótica que existe entre polícia e público. Essa interdependência pode ser melhor entendida quando se examinam alguns dados. Em quase todos os países, a grande maioria das intervenções policiais ocorre por chamadas das pessoas. Assim, cidadãos e policiais estão do mesmo lado. Um vê o outro como elemento de apoio. Os policiais dependem da iniciativa das pessoas e estas dependem da proteção dos policiais”.

Buscando dar um melhor entendimento ao objetivo do presente texto que visa mudança de comportamento na sociedade, necessário se faz tecer algumas considerações sobre o nosso poderio , assim como, pelo que passamos ao sermos confundidos e mal interpretados no nosso labor. LUIZ MARCELO DA FONTOURA XAVIER, Professor e Delegado de Polícia do Estado do Rio de Janeiro num dos seus artigos publicados recentemente bem exemplifica conceito e fato, explanando que: “Poder de Polícia, em definição simplista, nada mais é que o poder do Estado de invadir e limitar certas garantias e direitos individuais quando o interesse público prevalecer sobre o interesse particular. Todavia vivemos a “cultura do abuso”, isto é, sempre que uma pessoa discorda de uma atuação policial estritamente legal afirma aos quatro cantos que “ISSO FOI ABUSO DE AUTORIDADE” e infelizmente a afirmação desta pessoa que é totalmente leiga juridicamente encontra espaço de mídia e ressonância nos sensacionalistas de plantão... essa cultura do abuso desencadearam outras posições errôneas, onde a polícia fica de “mãos atadas”, em alguns casos até receosa em atuar e mesmo assim é responsabilizada quando ocorre um fato criminoso”.

Por outro lado as Organizações não Governamentais que tratam dos DIREITOS HUMANOS do cidadão de quando em vez confunde seus objetivos tratando desiguais como iguais, ou seja, tratando até mesmo marginal perigoso, criminoso contumaz, reincidente e irrecuperável como se ele fosse igual às suas próprias vítimas, qual seja, igual ao cidadão de bem que vive trabalhando honestamente e que necessita da verdadeira Segurança Publica, esquecendo que o outro é quem traduz a insegurança, o trauma familiar e o crescente índice de criminalidade, ao passo que, no meio desses dois está a Polícia para cumprir a sua missão.

Relacionado ao tema, quanto aos atos praticados pela Polícia atual, pela Polícia cidadã, bem entende o colega ANDRÉ LUIZ LUENGO: “Hoje a atuação policial deve se balizar nos princípios norteados pelos Direitos Humanos, os quais constam expressamente ou intrinsecamente na nossa normatização, ou seja, os Direitos Humanos refletindo na conduta policial.”

Entretanto, em dicotomia, é mais do que comum vermos no cotidiano nossos agentes sendo vítimas de criminosos sem assim haver interferência de tais Organismos defensores dos Direitos Humanos em seu favor, diferentemente do que ocorre quando é o contrário, situação em que o Policial é mistificado e massacrado até mesmo pelo próprio Sistema.

As ações despropositadas, abusivas e ilegais dos Policiais devem realmente ser combatidas, entretanto, vemos que o estrito cumprimento do dever legal, a auto defesa, a ação da reação à prisão, os atos da perseguição de marginais e até mesmo a legítima defesa própria ou de terceiros, são confundidos e veementemente criticados por muitos como se os agentes tivessem a praticar ilícitos penais ou transgressões administrativas.

É preciso que não se confundam os atos legais praticados pela Polícia com os seus excessos, para o próprio bem da Instituição e da sociedade.

O conjunto das regras que garante a segurança e a ordem que rege os atributos da Polícia se confundem com essas problemáticas citadas, enraíza e cria os preceitos verdadeiros de que vivemos uma atividade desprezada, uma função incompreendida, uma trajetória ilógica, um labute controverso, uma vida atropelada dentro de uma classe tão dispersa.

A árdua luta para preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, bem como a atribuição de auxiliar a Justiça, estando atenta aos seus próprios atos para evitar conseqüências desagradáveis são, portanto, algumas das regras básicas a serem observadas pela Polícia cidadã.

O pensamento popular referente à questão da Polícia ser ineficiente e irresponsável também é descabida, pois na verdade, conforme o explicitado, transformaram a nossa Polícia numa Polícia vulnerável e sem garantias. Receosos dos eventuais abusos e punições os policiais se sentem enfraquecidos. De tão esvaziada, desprezada, desvalorizada, desmoralizada e humilhada que foi a Polícia esmoreceu, perdeu forças e aumentou as suas dificuldades para o enfrentamento do crime.

Polícia é instituição essencial, não um mal necessário com entendem muitos. É preciso que se repensem esses conceitos irracionais para o próprio bem estar da coletividade. Urge, portanto, de mudanças nessas concepções errôneas para que haja uma maior união e interatividade entre o povo e a sua Polícia. Para que haja confiança do cidadão nas ações da Polícia. Para que a sociedade tenha a Polícia como sua amiga, como sua aliada no combate ao crime e no cumprimento das Leis.

A Polícia é a guardiã da sociedade e da cidadania. No seu cotidiano o Policial investiga, protege o bem, combate o mal, gerencia crises, aconselha, dirime conflitos, evita o crime, faz a paz e regula as relações sociais.

O Policial é também o sustentáculo das Leis Penais e deve seguir sempre o princípio primordial de jamais colocar as conveniências da sua carreira acima da sua trajetória moral.

A sociedade atua sobre a Polícia cobrando a sua devida proteção, enquanto que a Polícia atua sobre a sociedade na medida em que é capaz de realizar os seus projetos funcionais inerentes sem ser confundida.

A Polícia cidadã é o elo de boas ações que estabelece um sincronismo entre o seu labor direcionado verdadeiramente a serviço da comunidade, ou seja, uma Polícia em defesa do cidadão e não ao combate do cidadão.

Aliado a esse conjunto de problemas ainda existe a falta de reconhecimento por parte dos Poderes públicos relacionado à questão salarial dos Policiais. Ao longo dos tempos os Governos Estatais vêm relegando a Polícia ao segundo plano. As políticas salariais não são diferenciadas das outras classes funcionais e com isso a Polícia está sempre trabalhando inferiorizada piorando ainda mais o seu desempenho e aumentando consideravelmente o índice de corrupção existente no seio das Instituições.

No tocante a esse item, observa-se também que no âmbito Federal nunca houve uma política firme de incentivo ao trabalho dos Policiais dos Estados. Nunca houve um programa de complementação salarial geral para as classes dos valorosos Policiais.

Entretanto, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) já é uma realidade e uma demonstração de que o Governo Federal enfim começa a se preocupar com a problemática da insegurança e violência que assola a Nação, embora a questão salarial da Polícia que continua pouco atrativa devido a sua importância no contexto geral não tenha sido resgatada.

O Programa marca uma iniciativa inédita no enfrentamento à criminalidade no país. O projeto articula políticas de segurança com ações sociais, prioriza a prevenção e busca atingir as causas que levam à violência sem abrir mão das estratégias de ordenamento social.

Relacionado ao incentivo do profissional da área existe bolsa de estudo para aqueles que participam de cursos específicos, assim como, há projeto habitacional que abrange certas classes Policiais de baixa renda.

Remediando esses males questionados, com a ajuda e a conscientização de todos os segmentos, por certo a Polícia cidadã alcançará os seus objetivos com mais presença para oferecer uma conseqüente melhor Segurança para a sociedade.


O autor: Delegado de Polícia, Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública


Publicado por: Archimedes Jose Melo Marques

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